Há mais razões de preocupação do que de confiança na condução da política fiscal. No entanto, há elementos positivos em um País que lentamente amadurece.
Cito aqui três destes elementos que poderão impor limites à elevação dos gastos: (i) a renovação do valor dado pela sociedade à inflação baixa, (ii) a autonomia do Banco Central e (iii) a maior concorrência na política.
Na linha institucionalista de Douglass North, o primeiro elemento é um aspecto relevante de nossos valores; o segundo, uma regra do jogo que provê maior efetividade na ação da autoridade monetária; e o terceiro é um elemento crucial para o bom funcionamento do sistema político.
O apreço à inflação controlada remete, no passado recente, aos protestos de 2013, quando o desconforto se manifestou nos centavos a mais na tarifa de ônibus. Em que pesem outros fatores engrossando o caldo de descontentamento, não se pode minimizar o impacto da inflação acima de 6% (15% para alimentos) naquele período. Tampouco a ameaça de descontrole inflacionário e o impeachment de Dilma seriam dissociados.
Michel Temer por sua vez, mesmo após os escândalos políticos, encarou um “Fora Temer” tímido em meio a uma inflação que derretia para menos de 3%. Agora, contrariando o padrão histórico, Bolsonaro perde a eleição; e lá está ela, a inflação mais teimosa no Brasil. O presidente compreendeu a força da velha senhora e ordenou o corte da tributação de gasolina e outros preços administrados. Não foi suficiente.
Interessante citar, como notado por Cristiano Souza, que o Sudeste deu a vitória a Lula, ao aumentar a votação no PT em relação ao pleito de 2018, saltando de 31,9% dos votos válidos totais em 2018 para 37,8% em 2022, levando inclusive a uma queda na votação em Bolsonaro em termos absolutos de 1,3 milhão. A aceleração inflacionária pode ter afetado relativamente mais o Sudeste, uma região que pouco se beneficiou do ciclo de commodities – diferentemente do Centro-Oeste –, bem como do Auxílio Brasil – como o Nordeste, que aumentou a votação em Bolsonaro.
A preocupação com a inflação nem de longe se resume ao mau humor do mercado financeiro. Vemos a manifestação de segmentos do setor privado em defesa da Lei de Responsabilidade Fiscal, por temerem a inflação e suas consequências nos juros e na atividade econômica.
A autonomia legal do Banco Central muito ajuda. Não ter a troca do presidente da instituição na mudança de governo – um compromisso reafirmado por Roberto Campos Neto – é um elemento mitigador de tensão, sem contar seus alertas, nesta transição, para o risco inflacionário em um cenário de excessos fiscais.
Os sinais de aumento de concorrência da política podem não ser os mais nobres, como na ação antidemocrática do PL no caso das urnas eletrônicas, mas há também manifestação de contrariedade a uma “carta branca” para gastar. Lula enfrentará uma oposição política que não teve no passado. Como ensinam Acemoglu e Robinson, as instituições políticas afetam as escolhas governamentais. O aumento na concorrência na política, por exemplo, contribui para reduzir o tamanho do Estado ou os gastos como proporção do PIB, porque a oposição tem interesse em conter excessos do incumbente.
No exercício do seu pragmatismo, Lula precisará considerar também os três fatores acima no seu cálculo político para a definição da agenda fiscal.