“Never confuse a single defeat with a final defeat,” F. Scott Fitzgerald escreveu em Tender is the Night.
Ambientado na Riviera Francesa no final da década de 1920, o romance narra a ascensão de um jovem brilhante e charmoso que enriquece, casa e passa a viver numa euforia excessiva e vazia entre festas glamourosas e viagens pelo mundo – até que uma série de eventos atinge as fissuras de sua personalidade e o levam a uma rápida derrocada.
Fitzgerald era obcecado pelos mistérios da riqueza – o que as pessoas fazem com ela, e o que ela faz com as pessoas – bem como o poder e a ruína que a acompanham.
Na semana passada, Adam Neumann – o fundador do WeWork cuja trajetória é digna de um personagem de Fitzgerald – surpreendeu o mundo ao levantar US$ 350 milhões com o Andreessen Horowitz, ou a16z na forma encurtada, o emblemático investidor de venture capital do Vale do Silício por trás de empresas como Facebook, Airbnb, Instagram, Twitter, e uma longuíssima lista de sucessos retumbantes.
A nova empreitada de Neumann, chamada Flow, atinge o status de unicórnio sem sequer ter entrado em operação, e sem que se conheça seu modelo de negócios em detalhe.
Para quem conhece a história de Neumann, ouviu o podcast WeCrashed: The Rise and Fall of WeWork ou assistiu a série que ele inspirou, a pergunta é automática: como um dos principais investidores do mundo faz o maior cheque da sua história para um empreendedor cujos erros e excessos foram tão fartamente documentados?
Adam Neumann foi um poster child do recente bull market de tecnologia como fundador de uma empresa de real estate – um feito notável que já diz muito sobre seu carisma e capacidade de persuasão.
Segundo um empreendedor e um investidor que estiveram com ele recentemente, qualquer um que o escute tem vontade de ser seu sócio: o cara é o melhor vendedor do mundo.
Mas por que será que alguém torna esse impulso em um cheque pensado e refletido, com tantos poréns conhecidos?
Porque é assim que funciona o Vale do Silício. Desde que Arthur Rock investiu nos “oito traidores” que abandonaram a empresa para qual trabalhavam e fundaram a Fairchild Semiconductor, em 1957, o Vale financia empreendedores e empresas que não se encaixam em padrões ou que completam os checklists de Wall Street.
Essa é sua beleza – e parte de sua essência.
Em 1974, Don Valentine, o fundador do Sequoia Capital, visitou a Atari, instalada num antigo ringue de patinação, e encontrou um ambiente caótico com reuniões acontecendo em hot tubs, cerveja à vontade, uma densa fumaça de maconha no ar e um fundador, Nolan Bushnell, maltrapilho e mal cuidado.
Isso não o impediu de investir e ajudar o bando de hippies a transformar sua visão e criatividade em um negócio de verdade que mudou o mercado e foi precursor de uma gigantesca indústria da atualidade.
Foi assim – financiando rebeldes improváveis e hippies com pensamento independente, estilo de vida e valores opostos aos yuppies da Costa Leste – que muitos negócios que mudaram nossas vidas surgiram no Vale.
Bono Vox, que foi amigo de Steve Jobs, disse a Sebastian Mallaby, no delicioso A lei de Potência: Capital de Risco e a Criação do Novo Futuro – que conta em detalhe esse início do Vale – que “as pessoas que inventaram o século XXI eram hippies e maconheiros de sandálias da Costa Oeste, como Steve, porque tinham uma visão diferente.”
Curiosamente, o mesmo Arthur Rock deixou de investir na Apple na primeira oportunidade que teve porque Jobs esteve em sua casa e ele rapidamente notou que seu fundador não era afeito a banhos, o que o incomodou o suficiente para recuar do investimento. (Quando percebeu seu erro, tratou de corrigi-lo a tempo de capturar um enorme retorno.)
Mudanças radicais costumam vir de fora da indústria, e a história está recheada de exemplos. E foi assim também com Neumann, o dono de uma loja de roupas para bebês que convenceu um dos principais investidores do Vale, a Benchmark Capital, a investir em um negócio imobiliário.
Posteriormente, deu um passo ainda maior, convencendo Masayoshi Son, do Softbank, a bancar uma frenética expansão global do negócio com um fabuloso cheque inicial de US$ 4,4 bilhões.
Independentemente de valer os US$ 47 bilhões de seu auge ou os US$ 3,3 bilhões de hoje, Neumann capturou o espírito do tempo com o WeWork, enxergou o mercado imobiliário corporativo sob um novo ângulo e teve a coragem e a competência para executar sua visão, ainda que de forma questionável em diversos aspectos.
Mas, fato é que ele mudou significativamente (ou, disruptou, para alguns) o mercado e, geralmente, há um grande prêmio quando alguém consegue esse feito, sobretudo quando se trata de um mercado grande como o imobiliário, a maior classe de ativos do mundo.
No meio do venture capital se diz, “você aposta no jóquei e não no cavalo”, ou seja, o empreendedor é mais importante que o projeto.
Projetos podem mudar rapidamente – ou pivotar, no jargão da indústria – desde que bem comandados. Já a mudança rápida de pessoas não é algo facilmente observável. Além disso, existem vários casos de empreendedores que falharam e, com ajuda de suas ricas experiências, posteriormente construíram grandes empresas, como Bill Gates e a Microsoft.
O que a a16z está fazendo com Neumann não é diferente do que sempre se fez no Vale. Neumann já teve uma visão que se provou correta, captou vultosos recursos com os investidores mais renomados do mundo e transformou o mercado imobiliário corporativo. Por que não poderia fazer algo semelhante no mercado residencial?
Marc Andreessen, o fundador da a16z, gosta de ideias grandes e corajosas, e já apoiou empreendedores controversos que falharam anteriormente.
Ele mesmo, enquanto fundador da Netscape, realizou um bem sucedido IPO em 1995 – 16 meses após a fundação da empresa – e teve sua companhia adquirida pela AOL quatro anos mais tarde por US$ 4,3 bilhões.
Coincidentemente (ou não), também foi o poster child da primeira onda de euforia tech e, de forma semelhante, tentou-se estigmatizá-lo pelos excessos da bolha quando ela estourou em 2000.
Em 2004, Mark Zuckerberg chegou atrasado e de pijamas para uma reunião no escritório da Sequoia Capital na famosa Sand Hill Road, em Menlo Park, que muitos investidores de VC escolheram como seu endereço. Trazia consigo uma apresentação em que elencou dez motivos para não investirem nele, o que de fato ocorreu.
Seu sócio era Sean Parker, que aos 16 anos teve a casa invadida pelo FBI por hackear sites federais e aos 20 tinha toda a indústria fonográfica à sua caça numa batalha policial e jurídica: ele era o cara por trás do Napster, o software peer-to-peer de troca de músicas que permitia livremente a pirataria.
Andreessen não se importou com esse histórico dos sócios àquela época e foi um dos primeiros investidores do Facebook, que chegou a atingir US$ 1 trilhão em valor de mercado, e senta no board da Meta até hoje.
A natureza do venture capital é a grande incerteza do retorno. Paradoxalmente, muitas vezes os negócios que parecem ter mais previsibilidade e chance de serem bem sucedidos não são os que trazem os maiores retornos, pois, provavelmente, não serão aqueles que transformarão os mercados, justamente o que Neumann já se mostrou capaz de fazer.
Ao entrar no território do não óbvio, justo o contrário, o investidor transita numa linha tênue que separa a estupidez da genialidade. Daí virão os maiores retornos (e os maiores fracassos também), e por isso é tão difícil investir em companhias em estágio inicial, especialmente aquelas que se propõem a grandes transformações.
Se o negócio da Flow der certo, será apenas mais um caso de um empreendedor controverso ou de investimento improvável a se tornar um grande sucesso.
Se der errado, será o esperado, pois é o destino de grande parte das companhias investidas por fundos de venture capital. A lógica dos retornos concentrados prevalece: os poucos e grandes vencedores são os que trazem a maior parte do retorno no longo prazo.
O papel do investidor é encontrar e apoiar empreendedores com chance de gerar bons retornos, e certamente o histórico de Neumann melhora estas probabilidades.
Sobre seu lado obscuro que vimos na série, vale a máxima cunhada pelo intérprete dos caubóis, John Wayne: “Todo homem merece uma segunda chance, mas fique de olho nele.”
Agora cabe a Andreessen fazer essa parte e ajudar Neumann a provar ao mundo que aprendeu com seus erros, e que sua saída do WeWork foi apenas uma derrota, mas não uma derrota final.
Guilherme Pacheco é empreendedor e investidor em tecnologia. Foi co-fundador do Bondfaro, da Mosaico, da Tessera Ventures e é conselheiro do Banco Pan.