O engenheiro Nolan Bushnell não tinha 30 anos quando fundou a Atari. Era um típico criador de startups do Vale do Silício. O destino da empresa, que viria a se tornar sinônimo de videogame, foi selado em uma reunião dentro da banheira que Bushnell mantinha nas dependências de seu escritório, em Sunnyvale, Califórnia.

Nada demais para uma empresa que se esforçava para cativar os seus colaboradores mantendo sempre à mão um barril de chope e contratando lindas secretárias –  tudo dentro do script juvenil masculino dos nerds da eletrônica.

O joguinho eletrônico Pong, constrangedoramente rudimentar pelos padrões atuais, fez sucesso nas casas de fliperama no início dos anos 70. A Atari precisava de capital para desenvolver o seu console, que colocaria os videogames não apenas nos bares mas na casa de todas as pessoas, e entrou no radar dos investidores de capital de risco.

Don Valentine, o legendário fundador da Sequoia Capital, não se importou em tirar a roupa e pular na banheira para discutir negócios com Bushnell. Enquanto isso, um outro investidor, de Boston, preferiu ficar de fora, com sua camisa branca engomada e gravata.

O episódio, ocorrido em 1974, resume por que o Vale do Silício, com suas virtudes e defeitos, só poderia existir na Califórnia – e por que o venture capital só poderia ter se originado no Vale do Silício.

Os executivos almofadinhas da Costa Leste, em seus escritórios intimidadores de paredes forradas com madeira escura, viviam em um planeta distante milhares de anos-luz do mundo da nova geração de empreendedores do Vale – era um fosso muito mais amplo do que os 4.000 quilômetros que separam Nova York de São Francisco.

Intel, Yahoo, Google, Facebook, Uber e inúmeras outras companhias que revolucionaram a economia e a vida em sociedade nas últimas décadas tiveram em seu início o apoio de capitalistas de risco cujos escritórios, até hoje, espalham-se pelas imediações da Sand Hill Road, no coração do Vale do Silício.

As invenções podem até ocorrer em outros lugares, mas quando chega a hora de transformar ideias em produtos arrasa-quarteirão, o “Vale é onde a mágica acontece,” escreve Sebastian Mallaby em A lei de Potência: Capital de Risco e a Criação do Novo Futuro (Intrínseca, 608 páginas). O jornalista reconta a história do Vale do Silício de um ângulo novo, tendo como ponto de partida não as startups e seus fundadores, e sim os investidores que colocaram dinheiro nessas companhias quando elas estavam dando seus primeiros passos.

Esses caçadores de unicórnios não simplesmente emprestam capital. Eles tornam-se sócios do negócio e ajudam a estruturá-los. Não muitas startups sobrevivem, um número reduzido vira unicórnio e um grupinho seleto chegará um dia aos valores estratosféricos de uma Apple ou de uma Amazon.

Essas poucas realmente bem-sucedidas multiplicam o capital inicial de uma maneira tão avassaladora que compensam largamente os prejuízos sofridos pelos investidores em suas outras apostas. Essa é a lei da potência que dá nome ao livro. Como resume Mallaby, “os vencedores avançam em uma aceleração exponencial”.

Um exemplo é a aceleradora Y Combinator: três quartos de seus lucros vieram de duas das 280 startups nas quais ela aportou capital. Não se trata de um negócio padrão de um banqueiro de Wall Street.

“A maioria dos financistas fazem alocação de capital tendo como base a análise quantitativa. Os capitalistas de risco raramente se preocupam com planilhas,” diz Mallaby. “A maioria dos financistas estima o valor de uma empresa projetando o fluxo de caixa. Os capitalistas de risco frequentemente bancam startups antes mesmo de elas terem fluxo de caixa. Outros financistas negociam milhões de dólares em ativos de papel num piscar de olhos. Os capitalistas de risco assumem participações relativamente pequenas em empresas reais e seguram a sua posição.”

Valentine, aquele do mergulho na banheira da Atari, tem o perfil típico de um venture capitalist. Não veio do setor financeiro nem foi criador de startups. Fez carreira como representante comercial de empresas de tecnologia. Fundou a Sequoia em 1972 e foi um dos desbravadores dessa nova maneira de financiar o nascimento de grandes companhias. Esteve entre os primeiros a colocar dinheiro na Apple, na Cisco e no YouTube.

Mallaby tem reconhecida competência para destrinchar com autoridade a história do venture capital. Não se limita a relatar fatos e anedotas, e sim busca analisar as origens e as implicações amplas dessa inovação financeira surgida nos anos 50.

O jornalista, que foi editor da Economist e do Financial Times, tem em seu currículo um ótimo livro sobre a história dos hedge funds, More Money Than God, e uma biografia de Alan Greenspan, The Man Who Knew.

O capital de risco, como detalha Mallaby, permitiu superar os obstáculos do chamado “dilema do inovador”. As grandes empresas tendem a financiar apenas o desenvolvimento de negócios dentro de suas áreas de atuação. Ao mesmo tempo, grandes bancos financiam apenas aquilo que conseguem estimar o valor futuro.

Tome-se o caso da Xerox. Esteve perto de criar o computador pessoal, mas engavetou o projeto porque poderia arruinar a venda de copiadoras. Mas Steve Jobs e Steve Wozniak não tinham nada a perder quando colocaram no mercado o Apple 2 – com o respaldo de Valentine.

Este, para seu azar, saiu relativamente cedo de sua participação na Apple. Embolsou um retorno de 13x, vendendo suas ações em 1979. Arthur Rock, o outro venture capitalist lendário do Vale, ficou até o IPO da companhia, no final do ano seguinte, e faturou um retorno de 378x.

A despeito de suas virtudes, o mundo dos capitalistas de risco carrega pecados originais similares aos da própria indústria de tecnologia. Passou recentemente por controvérsias envolvendo duas de suas estrelas mais promissoras, o Uber e o WeWork. A diversidade também não é o seu forte. As mulheres em posições de sociedade ou mesmo em cargos de chefia são raras. Apenas 3% dos sócios dessas firmas são negros. “Pela importância do venture capital em moldar a sociedade, ele precisa ser mais diverso,” afirma o autor.

Mas, como sustenta Mallaby, os capitalistas de risco, impulsionados pelo desejo megalômano de salvar a humanidade ou pela ambição terrena de comprar uma nova Ferrari, estão de fato contribuindo para criar um novo futuro.