Um dos maiores gestores de investimentos do País teve acesso a dados governamentais que retratam a Kroton como a empresa de educação que mais extraiu valor do Governo no FIES, estendendo a prática, inclusive, a uma concorrente que comprou em 2014.

Através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, a autarquia responsável pela execução de políticas educacionais do MEC, a Squadra obteve acesso às informações de todas as matrículas do FIES de 2010 até o final de 2016, totalizando mais de 60 milhões de registros referentes aos pagamentos mensais de cada matrícula do programa.

Os dados, publicados hoje na carta periódica que a Squadra envia a seus investidores, permitem calcular o ‘índice de inflação’ do FIES de cada instituição e acompanhar a evolução da mensalidade de cada aluno financiado ao longo do curso.

É a primeira vez que dados oficiais do FIES são analisados com tal granularidade.

A carta da Squadra — que ecoa críticas feitas anteriormente pelo ex-analista da Kapitalo — derrubou as ações da Kroton e da Estácio no pregão desta quarta. (O valor da Estácio varia junto com o da Kroton, pois, de acordo com os termos da venda da empresa, os acionistas da primeira receberão ações da última.)

Os dados também mostram que, depois de ser adquirida pela Kroton, em meados de 2014, a Anhanguera passou a aumentar agressivamente suas mensalidades, desviando-se de seu padrão de precificação anterior e ‘descolando’ das concorrentes.

Partindo de uma base 100 em 2012, os dados mostram que ‘todas as empresas [de educação] analisadas auferiram ganhos reais no período, sendo que Kroton e Anhanguera implementaram reajustes superiores às demais ao longo do tempo.’

Além de terem impacto na Bolsa, os dados publicados pela Squadra chegam num momento em que a Kroton tenta negociar com o CADE a aprovação da compra da Estácio, que já recebeu um parecer demolidor da Superintendência Geral do órgão antitruste.

Comandada por Guilherme Aché, um gestor veterano que começou sua carreira no antigo Banco Pactual, a Squadra está apostando na queda das ações da Kroton há cerca de dois anos.

A gestora não é novata no setor.  Em outra carta, de julho de 2011, a Squadra sugeria que algumas companhias do setor estavam usando ‘práticas contábeis heterodoxas’ de forma a inflar seus resultados. Na época, o mercado leu nas entrelinhas que a Squadra se referia à Anhanguera, mais tarde adquirida pela Kroton. As ações da empresa despencaram.

Na carta de hoje, Aché diz que o relaxamento das regras do FIES a partir de 2010 criou, no Brasil, ‘o setor de educação mais valioso do mundo’.

“Estimamos que a Kroton irá atingir em 2016 uma margem líquida em torno de 44% e um retorno sobre o patrimônio líquido tangível (RoTE) por volta de 90%. Tais indicadores de rentabilidade são superados apenas por duas empresas do Ibovespa: Cetip e Cielo.” 

Em outra comparação, ele diz que “a rentabilidade da Kroton supera a de outros negócios com altas barreiras de entrada como Ambev, Smiles, Natura e BM&F Bovespa. A Kroton também não fica devendo no cenário internacional: pertenceria ao primeiro decil de empresas mais rentáveis caso fosse listada tanto no S&P 500 quanto no STOXX Europe 600.”

Segundo a carta, a Kroton é hoje o maior grupo de educação superior privada do mundo em nuúmero de alunos e em valor de mercado – R$ 23 bi. Caso a fusão com a Estácio seja autorizada pelo CADE, a companhia resultante terá um valor de mercado de aproximadamente R$ 28 bi. “A título de curiosidade, seu valor de mercado no início de 2010 era de apenas R$ 1,1 bi,” nota Aché.

O gestor diz que sua posição short (vendida) no setor “vem, obviamente, por acreditarmos que tais néveis de rentabilidade não são sustentáveis. Tamanha lucratividade foi alcançada, na nossa visão, pelo fato de as companhias terem sido capazes de cobrar, através do FIES, mensalidades fora da lógica de mercado de seus alunos ao longo dos últimos anos, incluindo reajustes anuais na casa de dois dígitos, recorrentemente. O governo Dilma, desorganizado e com interesses eleitoreiros, pagou a conta, amparado em uma contabilidade inadequada recentemente criticada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).  Ao aluno, ‘inelástico’ por não estar contribuindo com nada e muitas vezes desinformado sobre o tamanho real da dívida que está contraindo, restará o calote.”

Para os analistas da Squadra, a farra ainda não terminou.

“Enquanto o governo federal não reformula o FIES (o novo formato está previsto para ter início no segundo semestre de 2017), a toada de aumento de preços parece continuar. Através do portal de acesso à informação do governo federal, já conseguimos identificar aumentos de dois dígitos para alunos FIES de alguns importantes grupos educacionais. Desconhecemos, no cenário atual da economia brasileira, indústria que esteja conseguindo repassar preços a seus clientes nessa magnitude, sob condições normais de mercado.”

 

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