Às voltas com o assédio de Elon Musk, o Twitter adotou uma poison pill, o primeiro e mais popular mecanismo de defesa contra uma oferta hostil.
Mas ao contrário do que sugere uma leitura superficial, a poison pill do mercado americano é muito diferente da que existe no Brasil. (Aliás, ela nem poderia existir sob a lei brasileira.)
O conselho do Twitter acionou um mecanismo previsto no estatuto da empresa chamado Shareholders Rights Plan (SRP), o nome formal do poison pill.
Ele prevê que, se algum investidor atingir uma participação de 15% na empresa sem a aprovação do conselho, todos os outros acionistas – com exceção daquele que atingiu os 15% – receberão um bônus de subscrição que lhes dá o direito de comprar novas ações do Twitter a 50% de desconto em relação ao preço de tela.
O objetivo da poison pill é diluir a participação do acionista que chega aos 15%, mas também fazer com que ele tenha que comprar uma quantidade ainda maior de ações para tomar o controle.
A poison pill do Twitter tem validade de um ano, mas ainda não foi disparada porque Musk tem 9,3% do capital da companhia.
O Twitter disse que o mecanismo “protege os acionistas de táticas de aquisição coercitivas ou injustas,” mas também deixou claro que a adoção da medida não impede que o conselho negocie com potenciais compradores e aceite uma oferta de compra, se ela for no melhor interesse dos acionistas.
Na prática, o conselho está tentando ganhar tempo para receber, negociar e conhecer melhor eventuais propostas.
“A boa medida defensiva é aquela que dá a possibilidade de o conselho se organizar para coordenar uma negociação e melhorar as condições a favor dos acionistas,” disse o advogado e professor João Pedro Barroso do Nascimento, que assumirá a presidência da CVM em julho e é autor de um livro dedicado ao assunto, “Medidas defensivas à tomada de controle de companhias.” (Editora Quartier Latin, 2011)
“A poison pill não inviabiliza a venda do controle da companhia, ela abre a uma negociação”, disse João Pedro. Se o conselho entrar em acordo com o ofertante, deixa de existir o gatilho que aciona a poison pill.
No Brasil, o mercado costuma chamar de poison pill um outro tipo de medida defensiva, criada por aqui no boom dos IPOs de 2000 e formalmente conhecida como “cláusula de proteção à dispersão acionária”.
Como se sabe, a cláusula obriga o acionista que atinge determinado percentual do capital a fazer uma oferta com prêmio por toda a companhia.
“Esse mecanismo torna a operação tão mais cara que acaba inviabilizando a oferta,” disse João Pedro. Segundo ele, essa cláusula foi adotada por algumas companhias no frenesi das ofertas, sem que todas as consequências fossem medidas.
Uma poison pill como a do mercado americano não seria possível no Brasil, disse Pablo Renteria, ex-diretor da CVM e sócio do Renteria Advogados. “Aqui a administração da empresa não tem a mesma liberdade para alterar o capital social – ainda mais tratando os acionistas de forma desigual, já que o mecanismo dilui um acionista específico.”
A poison pill americana foi criada pelo lendário advogado Martin Lipton em 1982, quando ele defendia a El Paso de uma oferta hostil da Burlington Northern Railroad.
O nome “pílula de veneno” faz referência às cápsulas de veneno levadas por espiões para serem ingeridas no caso de captura pelo inimigo. Lipton rejeitava essa nomenclatura, mas dizia que ela foi adotada pelo mercado depois que um banqueiro de investimentos usou o termo numa entrevista ao The Wall Street Journal.