As restrições impostas ontem à noite pelo Banco Central para LCIs, LCAs, CRAs, CRIs e LIGs devem reduzir significativamente as emissões desses títulos — impactando o funding dos grandes bancos e restringindo o acesso de empresas de outros setores a estes instrumentos.
Por outro lado, a mudança deve gerar uma migração de capital para outros ativos – beneficiando players como a XP – bem como organizar um mercado que estava “uma farra,” nas palavras de um executivo de banco.
Esses títulos vinham se tornando cada vez mais populares entre os investidores de varejo por serem isentos de imposto de renda, o que garantia um retorno superior ao de ativos tributados, como os CDBs.
Já as empresas viam vantagem em emitir esses títulos porque conseguiam captar com taxas menores, economizando (bastante) dinheiro.
Impulsionada por esses benefícios, a emissão desses títulos disparou nos últimos anos, com o estoque no mercado superando R$ 1 trilhão – sendo R$ 460 bilhões apenas em LCAs e outros R$ 460 bi em LCIs, segundo dados do Banco Central.
O problema é que o mercado começou a usar esses títulos de forma mais ampla, não se restringindo à finalidade original dos produtos, que era estimular o crescimento do setor imobiliário e do agronegócio, tidos como estratégicos pelo Governo. “Estava virando meio que uma farra, uma forçação de barra enorme, com bancos e empresas de outros setores fazendo emissões de CRIs e CRAs completamente fora do escopo original do produto,” disse um executivo do mercado. “Foi uma medida disciplinar do Banco Central para acabar com esses casos.”
O BC estima que apenas 15% a 20% das LCIs emitidas tinham uma destinação vinculada ao setor imobiliário, com o restante sendo usado para outras finalidades. No caso das LCAs, não há uma estimativa.
Um dos casos mais emblemáticos foram as emissões dos chamados ‘CRIs de aluguel’ que a CVM autorizou em 2022. Amparadas nesta autorização, diversas empresas — como a Dasa, Rede D’Or e SmartFit — emitiram esses títulos, beneficiando-se do incentivo sem fazer parte do setor que o incentivo fiscal visa fomentar.
Grandes bancos também estavam usando os títulos isentos como uma fonte mais barata de funding. O BTG, por exemplo, emitiu cerca de R$ 15 bilhões em CRIs e CRAs nos últimos anos para se financiar, segundo a estimativa de um investidor.
Nos CRIs, o BTG dizia que o funding seria usado para pagar aluguéis. Nos CRAs, dizia que usaria os recursos para comprar grãos por meio de sua trading.
Com a mudança da regulação, tudo isso é vetado.
Para os CRAs e CRIs, o BC está proibindo a emissão lastreada em instrumentos de dívida como debêntures para companhias que não sejam diretamente ligadas ao agronegócio e ao setor imobiliário.
Para as LCAs, a principal mudança foi ligada à obrigação de alocação dos recursos no setor, e para as LCIs, o BC passou a proibir que seja usado como lastro operações para pessoas jurídicas sem conexão com o mercado imobiliário, mesmo que garantidas por imóvel.
O BC também elevou o prazo mínimo de vencimento das LCAs e LCIs de 90 para 270 dias e 360 dias, respectivamente.
“Para o mercado, o impacto de maneira geral é ruim, porque vai reduzir as emissões desses títulos isentos. Mas de maneira geral acho que o BC agiu corretamente, porque era um benefício fiscal que eles criaram para uma finalidade e de repente todo mundo estava usando para outra coisa,” disse outro executivo.
Para ele, isso também é positivo porque organiza algo que estava sendo usado de forma irrestrita, “o que poderia abrir o flanco para uma medida mais brusca, como o Governo acabar com o benefício como um todo. Dos males, o menor.”
Outra forma de olhar o copo meio cheio é que as limitações para a emissão desses títulos vão criar um estímulo para o investidor migrar para outros ativos do mercado de capitais, com esse dinheiro deixando de financiar os bancos e passando a ser destinado para projetos de expansão de empresas desse setor.
Além disso, produtos como fundos de crédito, de ações e multimercados podem receber parte dos recursos quando esse estoque de títulos incentivados vencer.
O JP Morgan disse que vê a mudança como positiva para a XP, mas negativa para os grandes bancos.
“Primeiro, o custo de funding dos bancos deve subir, já que eles terão que depender mais dos depósitos,” escreveu o analista Yuri Fernandes. “Segundo, deve se tornar mais difícil para os bancos continuar crescendo com esses instrumentos, como eles fizeram nos últimos anos.”
Ainda que a XP possa perder algumas comissões da estruturação e distribuição desses títulos, o benefício para a corretora deve ser mais relevante, já que as LCIs e LCAs eram uma vantagem competitiva importante dos bancos em relação à XP, diz o JP Morgan.
“Tem muita gente dormindo em LCIs e LCAs de bancos grandes porque o retorno é bom, o risco baixo e tem liquidez,” disse um investidor. “Agora, não vai ser tão simples assim. O cara vai ter que aceitar ficar preso por pelo menos nove meses. Deixa de ser uma opção tão óbvia.”