Faz quase dois anos que o marco legal das garantias entrou em vigor, mas só agora ele começa a ser aplicado de forma completa – o que pode transformar o mercado de financiamento de veículos no País. 

Essa lei aperfeiçoou os mecanismos que envolvem as garantias nas linhas de crédito. Um passo importante para que o marco legal se torne realidade aconteceu esta semana, quando o STF julgou constitucional o trecho que prevê que a consolidação das dívidas de quem está inadimplente e a busca e apreensão dos bens dados em garantia podem ser feitos de maneira extrajudicial. 

Antes da lei, isso dependia da autorização da Justiça – num processo demorado que chega a levar anos, dependendo da quantidade de recursos.

Os efeitos dessa lentidão são especialmente perversos no mercado de veículos – por conta da depreciação e da má conservação. 

Executivos do setor dizem que é comum que quem está inadimplente deixe de cuidar do carro e acumule dívidas de impostos e multas, o que costuma piorar com o tempo.

“A garantia se deprecia e a dívida aumenta. A conta não fecha,” Aline Marques, superintendente do jurídico do Daycoval, disse ao Brazil Journal.

Segundo a Febraban, hoje, em caso de inadimplência, os bancos e financeiras recuperam apenas 18% do colateral, enquanto a média dos países emergentes é de 43%. 

Com a aplicação da lei, a expectativa é que recuperar as garantias se torne mais rápido e barato, o que deve reduzir o juro para o tomador final, já que 57% do spread está relacionado à inadimplência, segundo a Febraban.

Outra consequência tende a ser o aumento da concessão de crédito. “Esperamos ver algo parecido com o que aconteceu no financiamento imobiliário há 25 anos,” disse o executivo de um banco. 

No mercado imobiliário, uma lei de 1997 permitiu a consolidação de dívidas e a retomada de imóveis por via extrajudicial – o que contribuiu para multiplicar o volume do crédito para o setor.

Hoje, apenas um terço dos veículos vendidos no Brasil são financiados, mas o número é maior no mercado de novos (53% do total) do que no de usados (27%), em parte devido à dificuldade com as garantias, disse Heverton Peixoto, o CEO do grupo Omni, especializado em financiar veículos usados. 

“Em alguns casos, o custo para recuperar o crédito é maior que a dívida,” disse Peixoto. “Por conta disso, não estendemos o prazo para 60 meses, o que reduziria a parcela e incluiria mais pessoas nos financiamentos.” 

Além do julgamento do STF, outro fator que atrasou o início da aplicação do marco das garantias foi a falta de regulamentação da lei nos cartórios e Detrans, que são os órgãos responsáveis por conduzir os processos extrajudiciais. 

A regulamentação dos cartórios saiu no início de junho. 

Já no caso dos Detrans, as diretrizes de atuação foram publicadas em janeiro, mas o Detran de cada estado precisa incorporar esses procedimentos. Por enquanto, há apenas um projeto-piloto em Mato Grosso do Sul.