Há dois anos, o fundador da JGP, André Jakurski, abriu sua apresentação na conferência anual do Credit Suisse com uma piada que rende até hoje.

“Escolheram três ‘urubus’ para falar aqui,” brincou, referindo-se a si próprio, Rogério Xavier (da SPX Capital) e Luis Stuhlberger (do Verde) — a santíssima trindade das estratégias macro.

10404 0dd553e0 2013 0005 0000 0eb134d6fa4dA anedota traduzia perfeitamente o espírito daquele ano longínquo, em que o Brasil ardia na recessão e mergulhava de cabeça no impeachment. 

Ontem, ao falar na mesma conferência, pelo menos Xavier era um ex-urubu, transformado pelos eventos dramáticos do último ano e meio: o fim da era Dilma, uma série de reformas aprovadas em Brasilia e, acima de tudo, uma maré de liquidez internacional que tem sido gentil com os preços de ativos.

O sócio-fundador da SPX está cautelosamente otimista, mas o papel de ‘bull’ convicto ficou com Marcio Appel, que dividiu o palco com ele. (Xavier administra R$ 26 bilhões de clientes;  Appel, fundador da Adam Capital, também captou uns caraminguás: R$ 23 bilhões.)

Num debate que chegou a ser comparado à luta Mike Tyson/Evander Holyfield, o que se viu foram duas visões diferentes sobre praticamente tudo. Xavier era a voz da cautela; Appel, do otimismo. Xavier foca na abertura dos juros americanos. Appel, na Bolsa brasileira. Xavier vê espaço para apreciação do dólar; Appel, do real.

“Quem acaba com a festa é sempre os bancos centrais, e eles estão com medo,” diagnosticou o X-man da SPX. “Eles vão errar lá na frente porque já estão muito atrasados. O maior risco [uma alta forte dos juros] não vai acontecer nos próximos seis meses nem talvez nos próximos doze. A festa vai continuar.” 

De olho no remédio amargo que deve vir depois disso, ele está comprado em juros americanos. “Acho, com uma convicção alta, que ativos de risco continuarão performando, apesar de ser isso o que vai alimentar a catástrofe lá na frente.”

Quanto ao Brasil, disse que a condenação de Lula não pode ser subestimada. “O fato dele não poder se candidatar é extraordinário, mas é melhor do que isso: arrasta o PT para baixo nas eleições de deputado, senador, governador. A esquerda vai começar 2019 muito desorganizada e vai ser difícil reagrupar”. 

Mas Xavier se preocupa com a dispersão de votos  “O maior risco é um candidato passar pro segundo turno com 15% e outro com 17%. Aí dá algo como Bolsonaro e Joaquim Barbosa e ninguém sabe o que vai acontecer…”  e com o tamanho dos obstáculos à frente.

Dois anos atrás, “o sarrafo para melhorar a política econômica era muito baixo.  Basta lembrar quem era a Presidente naquela época: Dilma Rousseff. Era muito fácil melhorar a qualidade da política econômica. Agora, eu acho que o sarrafo é muito alto.”

10211 fc654705 9704 0000 1109 9d4858c92295Enquanto isso, Appel soava um tom acima na escala do otimismo:  “Se eu tivesse que escolher uma classe de ativos, a Bolsa brasileira — no preço atual e no estágio de recuperação em que o Brasil está — está muito barata.  A Bolsa aguenta muito desaforo no patamar atual.”

Segundo ele, com uma recuperação cíclica, a ‘mesmice brasileira’ é suficiente para sustentar a posição. “A parte fiscal vai melhorar barbaramente para frente, porque tem o teto dos gastos e a alavancagem fiscal do Governo com a recuperação da economia.”

Xavier acha que o dólar, no nível atual, está ‘de graça’.  “Não estou dizendo que [o dólar vai subir] hoje, ou nos próximos 30 dias, mas como eu acho que a perspectiva de juros é para cima, dado o erro dos BCs, o seguro [comprar dólar] é muito barato para você olhar de fora e, se a eleição transcorrer de forma positiva, você volta. Acho que muita gente vai fazer isso.”

Appel rebateu: “Acho quase impossível que você tenha uma demanda mais forte por dólar [enquanto os BCs não subirem os juros] … O Brasil é ‘under-owned’ de forma absurda. Se o fluxo voltar, é uma avalanche de dinheiro. Não acho que a posição comprada em dólar seja boa, mas também reconheço que a alocação em real é uma das que tem o pior retorno.”

O embate se estendeu até o modelo de gestão da Adam e da SPX, diametralmente opostos.

Appel falou primeiro. Descreveu seu modelo de gestão centralizado, em que ele é o responsável final por todas as posições, e criticou o que chamou de ‘modelo de tesouraria tradicional’, no qual se divide a gestão por classe de ativos.  Para ele, isto cria um viés:  “Quando está todo mundo otimista, o cara do câmbio tá comprado no Real, o cara da renda variável tá comprado na Bolsa, e por aí vai.” 

Appel acha este modelo também cria conflitos de remuneração, com um grupo torpedeando a ideia de outro em suposto benefício próprio.  Segundo ele, na Adam, “todo mundo participa do bolo, com uma fatia pré-definida.  Nosso trabalho é alocar o capital na melhor relação risco/retorno, independentemente de quem olha o quê.”

Quando chegou sua vez, Xavier, que passou 10 anos na ‘tesouraria tradicional’ do Banco BBM, não perdeu a boleta: “Eu não nasci com a genialidade que o Marcio nasceu. Eu não consigo olhar tudo ao mesmo tempo.”

A sala — lotada — explodiu em gargalhadas.

E o Professor Xavier terminou a aula:  “Tenho uma equipe grande e especializada que analisa e suporta todas as teses. Se não tiver oportunidade naquele mercado, o cara não faz nada. A gente não obriga as pessoas a tomar risco.  O cara vai viver de dividendo aquele ano, mas também não vai morrer de fome.”

 

Marcio Appel (esq.) e Rogério Xavier