LISBOA — Como a inteligência artificial vai mudar nossas vidas?

Para Daniela Braga, a fundadora da Defined.ai, um marketplace de dados focado nesse mercado, eliminando as tarefas chatas e cotidianas “que não nos sentimos desafiados em fazer.”

A Defined.ai trabalha com o chamado conversational AI, um ramo da inteligência artificial focado na criação de tecnologias capazes de processar, entender e interagir com a linguagem humana.

Segundo ela, a conversational AI é a evolução da tecnologia de IVR (interactive voice response) — basicamente, aquele robô que vai guiando o consumidor pelos botões durante uma ligação.

“No IVR não tem interação nenhuma. É um monólogo, não um diálogo,” disse ela durante o terceiro dia do Web Summit. “É uma experiência muito melhor poder dizer logo o que você quer e ser entendido do que ter que ir indo pelos botões. A conversational AI permite isso.”

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Segundo ela, o próximo grande breakthrough desse mercado deve ser o desenvolvimento da tradução speech to speech — a tradução automática (e em tempo real) de qualquer idioma usando AI.

Para ela, esse tipo de tecnologia está mais perto de se tornar realidade do que a maior parte das pessoas imagina. 

“Acho que muito em breve as conversas no Zoom já vão poder ser traduzidas em real time para qualquer idioma. Não no ano que vem, mas provavelmente em uns cinco anos,” disse ela. 

“Hoje, já existem protótipos de tecnologias em que a tradução é feita na própria voz da pessoa num idioma que ela nunca falou. E já conseguem fazer essa tradução em pouco tempo. É algo impressionante.”

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No mesmo painel, Shawn Kerrigan, o fundador da Plus, uma startup que desenvolve caminhões autônomos, disse que para ele a palavra chave para definir a inteligência artificial é “aprimoramento”. 

“É nisso que a AI é muito boa hoje: em ajudar a aprimorar e a automatizar coisas que são muito intensivas em dados, ou muito intensivas em trabalho.”

Para ele, o mercado está à beira de um ponto de inflexão para os carros autônomos. 

“Se você olhar para o ciclo clássico do hype, a gente já teve o pico em que diziam que iam ter carros autônomos em todo lugar e que eles iam dominar as ruas, e agora estamos num momento de baixa. Eu acho que esse é o momento quando as coisas começam a acontecer,” disse ele. “As empresas que têm produtos reais e que geram valor para os clientes vão sobreviver, ter sucesso e crescer.”

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Noam Chomsky, o pai da linguística moderna, e Gary Marcus, um cientista especializado em inteligência artificial da NYU, também debateram a inteligência artificial em outro painel — mas as conclusões foram diametralmente opostas. 

“Os sistemas de hoje [de inteligência artificial] apenas perpetuam os dados antigos, eles não entendem o mundo e a linguagem humana,” disse Gary. “Como eles apenas usam os dados passados, eles perpetuam os bias passados e produzem desinformação. Isso vai prejudicar o mundo. Vai ser terrível para a democracia.”

Para Gary, os sistemas de inteligência artificial hoje não são nada mais do que “aqueles sistemas de autocomplete [que completam as letras de uma palavra] em esteróides.”

Outro risco, segundo ele, é que as pessoas estão gastando bilhões de dólares nesta indústria — por exemplo, investindo nos carros autônomos.

“Eu acho que nunca vamos chegar ao nível 5 de automação que o Elon Musk tem prometido há anos. Então esse dinheiro todo será perdido,” disse ele. “Estou mais preocupado com o risco para a democracia do que com os investidores perderem seu dinheiro, mas esse é um outro risco que existe.”

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Chomsky também notou que as pesquisas de inteligência artificial estão dentro do campo da engenharia e não da ciência.

“Essas pesquisas não estão ajudando em nada para a compreensão do mundo e dos seres humanos, então elas não estão fazendo nenhuma contribuição para a ciência.”

Ele disse que quando a ideia original da AI começou a ser desenvolvida, nos anos 50, o objetivo original era “usar essas capacidades para ver se entendíamos como os seres humanos pensam, se poderíamos aprender algo sobre os sistemas cognitivos. Hoje, essa visão é considerada ultrapassada.”

O repórter viajou a convite da Brivia, um grupo de comunicação especializado na transformação digital de grandes marcas.