O consumo per capita de cerveja no Brasil já está em níveis similares aos de mercados maduros, com o brasileiro consumindo uma média de 75 hectolitros por ano, em comparação a 80 hectolitros em mercados como o México e Colômbia e 90-100 em mercados como os Estados Unidos e a Europa.
Mas para Carlos Lisboa, o novo CEO da Ambev, a oportunidade de crescimento de volume na categoria ainda é significativa.
“Essa visão de que o Brasil chegou no platô é muito míope,” o executivo disse ao Brazil Journal. “Quando você compara México e Colômbia com a realidade brasileira e busca entender a frequência com a qual o consumidor interage com a categoria na semana, a frequência ainda pode crescer 50%. Lá são três ocasiões semanais de consumo, e aqui no Brasil são duas.”
Segundo ele, isso acontece porque no México e Colômbia os consumidores começaram a adotar a cerveja nas refeições — algo que não acontece no Brasil. “Como líderes da categoria, temos a função de educar os brasileiros de que isso é possível.”
Lisboa, um veterano com 30 anos de AB InBev, fez uma carreira focada em branding e no conhecimento do consumidor.
Depois de atuar como CMO da Ambev por seis anos — no período em que a Skol assumiu a liderança de mercado — tornou-se o vp de marketing da AB InBev para marcas globais e liderou as operações da companhia no Canadá, América Latina Sul e no Caribe.
Em janeiro de 2019, assumiu o comando da MAZ, que inclui países como México, Colômbia, Panamá, Peru e República Dominicana.
Na conversa, Lisboa falou ainda sobre a oportunidade de expansão de margens, os investimentos em inovação e o retorno aos acionistas.
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Olhando os dados de consumo per capita de cerveja no Brasil e em mercados como Europa e EUA, o Brasil já é um mercado maduro, com um nível alto de consumo. Além disso, o Brasil tem uma população crescente de evangélicos, que não bebe, e a Geração Z também bebe menos. Vocês ainda enxergam crescimento de volume no mercado brasileiro de cerveja? E se sim, de onde esse crescimento vai vir?
Uma das coisas que mais me chama a atenção é quando eu comparo a reputação da categoria de cervejas no Brasil com outros mercados que são similares, ou seja, mercados em desenvolvimento, e também mercados maduros.
Eu tive a oportunidade de operar nas duas realidades, e é muito difícil encontrar regiões no mundo onde a categoria cerveja tenha uma relevância tão grande quanto no Brasil.
A relevância vem da reputação do que essa categoria representa para o brasileiro. A gente sempre fala: o brasileiro ama cerveja. E é verdade. E é consequência de uma categoria que possivelmente figura entre as mais amadas do País por ser extremamente democrática, versátil, com várias ocasiões para adotar, e muito próxima, porque é um produto local, com marcas locais.
Também é uma categoria com uma afinidade enorme com o nosso jeito de viver, muito ligada à celebração e à alegria. Mas concluir que existe uma estagnação não é uma leitura correta. Quando você compara o nível de consumo do Brasil com outros mercados similares, existe um delta desfavorável para o Brasil. Isso significa que temos capacidade de atrair mais consumidores para a categoria.
Essa sua comparação é com outros mercados mais maduros? Ou com mercados jovens?
Jovens. Eu acabo de vir de um mercado muito similar ao do Brasil, que é a América Central. Quando você compara México e Colômbia com a realidade brasileira e busca entender a frequência com a qual o consumidor interage com a categoria na semana, a frequência ainda pode crescer 50%. Lá são três ocasiões semanais de consumo; aqui no Brasil são duas.
Desde que eu saí do Brasil, há 15 anos, isso não mudou. Apesar de toda essa relação que o brasileiro tem com cerveja, ele ainda considera a categoria muito pertinente para poucas ocasiões de consumo. Quando você compara com outros mercados similares, a categoria tem potencial de crescimento.
Vou dar um exemplo claro disso: no México e na Colômbia, os consumidores começaram a adotar a categoria em casa, nas refeições. Mesmo após a pandemia, isso permaneceu. Isso é um hábito que não é comum no Brasil, mas como líderes da categoria temos que educar os consumidores de que isso é possível.
Por que eu estou falando isso? Porque é muito prematuro – numa tendência de crescimento de mercado emergente – você alegar que a categoria já chegou num platô. Inclusive dentro do próprio País, quando você compara regionalmente, a realidade é diferente.
Qual o consumo em hectolitros per capita no Brasil e na Colômbia e México?
O que determina o crescimento da indústria é o crescimento populacional, de renda, e quanto a categoria consegue entrar em mais ocasiões de consumo. O resultado final disso é o crescimento.
Um mercado como o México tem um consumo per capita entre 75-80 litros. No Brasil, é de 70-75 litros. Mas isso são médias regionais. De qualquer forma, os dois são mercados emergentes, em desenvolvimento. Se comparar com mercados mais maduros, os 70-75 litros vão para 90-100 litros. Cabe à gente fazer com que o Brasil chegue nesse patamar. E o interessante de fazermos parte de uma plataforma global é que já conhecemos o que funcionou e o que não funcionou em mercados mais desenvolvidos.
Outro ponto que temos que levar em consideração é que eu venho desenvolvendo também o meu portfólio sem álcool, o que faz com que a gente tenha a oportunidade de entrar numa série de ocasiões de consumo onde o álcool não é a escolha.
Eu digo para analistas e investidores que essa visão de que o Brasil chegou no platô é muito míope.
A cerveja zero cresceu 40% no primeiro trimestre. Ela representa 1% da indústria do Brasil, e em mercados desenvolvidos chega a 9%. Só de cerveja zero o potencial que temos de crescimento é significativo. E a gente está só começando a tocar nisso com o portfólio.
Em 2013, a margem EBITDA da operação de cerveja da Ambev no Brasil chegou a bater em 55%, mas nos últimos anos ficou ao redor de 30%. Vocês acham possível voltar a uma margem mais próxima daquele pico? Como?
Ao longo dos últimos anos a companhia passou por um processo de transformação em todas as áreas do negócio, e essa transformação impactou principalmente o nosso portfólio e o desenvolvimento tecnológico do nosso ecossistema. Fizemos investimentos muito importantes para que isso acontecesse.
E quando você sai de um portfólio muito concentrado em poucas marcas, pouquíssimas embalagens, para um portfólio muito mais completo, preparado para o futuro e para atrair mais consumidores em mais ocasiões, obviamente isso acarreta uma perda de produtividade.
Só que agora o portfólio já está em um estágio de desenvolvimento bem diferente de quando eu vivia no Brasil, e agora podemos focar novamente em fortalecer a produtividade. Este sempre foi um músculo muito importante da Ambev – e tem uma máxima de que “músculo tem memória”. O que estamos fazendo agora é reviver essa memória.
Mas temos que jogar o jogo do 1, 2 e 3, que é a essência da nossa estratégia. De um lado, a estratégia é liderar e desenvolver a categoria. Do outro, dar seguimento à transformação do nosso ecossistema e otimizar nosso negócio, ganhando margem e produtividade. A essência da estratégia é que os três pilares funcionem simultaneamente.
A vantagem que temos nesse momento é que, toda vez que você faz uma transformação na intensidade que foi feita na Ambev, naquele momento você não tem a fórmula. Então você transforma, perde produtividade, e impacta a margem. Agora é o momento de buscar isso. Por isso, esse pilar No. 3 passa a ganhar um peso diferenciado.
A consequência disso seria uma margem crescente nos próximos anos?
Essa é a nossa missão. Manter a recuperação da margem, junto com o desenvolvimento da categoria e do ecossistema.
No passado, a Ambev era vista como uma empresa onde todo mundo queria trabalhar e de onde ninguém queria sair, porque era um lugar onde se podia crescer e ganhar muito dinheiro. A percepção no mercado é que isso foi se perdendo nos últimos anos, em parte porque a sua ação, que é um componente importante da remuneração, não sai do lugar. Qual sua visão sobre isso?
Um pulso bom pra gente medir é o programa de trainee da companhia. O programa de trainee da Ambev não só não perdeu como segue ganhando atratividade. Todos os anos temos 100 mil candidatos para 30 vagas. Uma das coisas que me encanta de voltar para o Brasil é voltar a ter contato com os talentos que temos aqui. Nossos talentos continuam sendo um grande objeto de desejo, porque são pessoas muito bem preparadas para operar em qualquer lugar do mundo.
Nosso foco sempre vai estar naquilo que a gente controla. Fazer com que a organização seja capaz de gerar valor, tanto para nossos talentos quanto para acionistas e clientes. Esse é o jogo. E controlando o que a gente controla e fazendo bem, a consequência é que isso tem que se traduzir na frente no valor da nossa ação.
Todos os anos a gente roda em todas as regiões do mundo, inclusive no Brasil, uma série de métricas para ver se temos que colocar mais atenção num determinado ponto ou outro. E o nosso engajamento segue crescendo. Acabou de sair a medição. Eu não tenho nenhum dado dentro de casa que demonstre queda de engajamento por parte da equipe por conta disso que você me falou.
A gestão do seu antecessor foi muito elogiada pelo mercado por trazer muita inovação, com o Zé Delivery e o BEES, e por ter feito a empresa voltar a se comunicar com os mais jovens. O que ainda tem para fazer nessas frentes, na sua visão?
A estratégia que era adotada aqui no Brasil era a mesma adotada na América Central. Então não é que eu estou saindo de uma realidade muito diferente para a realidade que foi implementada aqui pelo Jean [Jereissati]. Eu tenho sim uma oportunidade de dar continuidade ao que foi feito e buscar uma melhor versão para nós em tudo. Isso tem sido nossa causa. E todo mundo abraçou essa causa de forma muito poderosa. Acho que isso diferencia as grandes organizações: elas estão numa busca contínua de melhoria. Não é porque a gestão anterior gerou uma melhoria e impacto X, que temos que aceitar e falar ‘chegamos ao topo’. É um jogo infinito. Tem que seguir.
Então, o meu papel é dar continuidade a isso. E a essência do que eu te falava de estratégia 1,2, 3 é exatamente isso. A categoria de cerveja no Brasil, apesar da relevância que ela tem, ainda permite desenvolvimento. O BEES e o Zé Delivery também têm plataformas na América Central. E é uma oportunidade enorme de seguir desenvolvendo essas plataformas aqui.
As plataformas digitais têm um papel duplo. A gente sempre tende a olhar e só enxergar o lado do desenvolvimento de novos modelos de crescimento como o marketplace, que é crescer produtos e categorias que a gente não produz. Mas tem um outro lado muito interessante que a gente só começou a arranhar a superfície que é o quanto isso pode gerar de ganho de eficiência para o nosso core business. Meu balanço aqui dentro é garantir que as duas frentes avancem.
Hoje a Heineken é muito forte no segmento de cervejas premium no Brasil. Qual tem sido a estratégia de vocês para crescer mais nesse segmento?
Quando o consumidor gradua do ‘core’ para o ‘above core’ e para o ‘premium’, o que ele busca são novas experiências. Então a maneira que atendemos essa necessidade é com uma oferta de opções de produtos e marcas. Nosso jogo não é o jogo de uma marca, é um jogo de um portfólio de marcas. E com um portfólio de marcas temos conseguido algo muito interessante, que é não só a liderança.
A gente tem a liderança desse segmento ‘above core’, e também temos as taxas de crescimento mais aceleradas. E esse é o segmento que mais cresce no País, junto com o segmento sem álcool. A gente lidera e tem portfólio. Isso significa o seguinte: eu consigo ter um portfólio de marcas que são complementares para atender diferentes necessidades e experiências que o consumidor busca.
No ‘above core’ vocês são líderes então? Qual é o share de vocês e da concorrência?
A gente lidera, mas a gente não costuma entrar nesse nível de detalhes, até porque para a gente isso não interessa muito, passar esse tipo de informação para fora e para concorrentes. Mas o importante é saber que a gente lidera, e lidera porque temos um portfólio de marcas. E esse portfólio cresce a uma taxa bem acima da média.
Vocês estão hoje com uma posição de caixa líquido, e existe uma discussão grande no mercado se a companhia não poderia ser mais alavancada e fazer distribuições maiores de dividendos. Muitos gestores dizem que isso não acontece porque afetaria a alavancagem da ABI. Qual é a estratégia para a estrutura de capital da empresa?
A ABI conseguiu uma evolução muito importante na redução da dívida, o que faz com que a gente tenha bastante liberdade no uso do nosso caixa. O nosso caixa tem sido direcionado para devolver valor aos acionistas. A gente vem aumentando a frequência com que a gente paga os dividendos – o que foi muito bem recebido pelo mercado – e a gente começou um programa de buyback. Mas será sempre o nosso objetivo principal continuar investindo no nosso negócio e investindo na nossa categoria como um todo.
Só para ter um número, ao longo dos últimos três anos investimos R$ 15 bilhões só no Brasil. Um investimento direcionado para ampliar e melhorar a capacidade de produção dos nossos produtos, para tecnologia, e para experiência dos consumidores no ponto de venda. Isso para mim é uma clara demonstração de como a companhia acredita no futuro da categoria e da empresa, no Brasil e fora.
Está no plano da empresa vender algum produto além de bebida? Poderiam entrar em algum produto comestível que não fosse bebida?
A gente já faz isso. Por isso temos a plataforma de marketplace…
Mas não é um produto seu. É de terceiros.
Acabamos encontrando através do BEES uma maneira de atender melhor os nossos clientes através da oferta de produtos que não necessariamente a gente precisa produzir. Essas empresas e categorias podem aproveitar a escala e a chegada que a gente tem nos pontos de venda no Brasil. É isso que temos feito e tem ido muito bem, performando de maneira muito sólida.