Exposições que justapõem artistas de diferentes épocas têm sido frequentes aqui e fora do País. Além de revelar afinidades estéticas, a curadoria nesse tipo de mostra busca revelar o valor histórico de determinados movimentos, artistas e estilos.

O Museu Van Gogh, em Amsterdã, apresenta (até 4 de setembro) obras da artista Etel Adnan (1925-2021) juntamente com as de Van Gogh (1853-1890), na exposição intitulada Colour as Language. A influência do holandês na obra de Etel é exposta através do amor que os dois tinham pela natureza e pela cor.

Nascida em Beirute, Etel foi poeta, ensaísta e pintora. Estudou filosofia na Sorbonne e fez mestrado em Berkeley e Harvard.  Foi só depois de se mudar para São Francisco, em 1958, que ela pintou seu primeiro quadro – dizia que escrever e pintar partiam do mesmo gesto.

Em 77, Etel voltou para Beirute para ser editora cultural de um grande jornal local, e lá publicou o livro Sitt Marie Rose – Amor e Sangue no Líbano, premiado em diversos países e considerado um clássico de guerra da literatura mundial. Em 2003, ela foi considerada uma das mais importantes escritoras árabes pelo Multi-Ethnic Literature dos Estados Unidos.

Apesar de muito respeitada no meio acadêmico, Etel era totalmente desconhecida no mundo das artes plásticas até 2012 – até que, quando tinha 87 anos, seu trabalho ganhou projeção na Documenta 13, que acontece a cada cinco anos em Kassel, Alemanha. A curadora daquela edição, Carolyn Christov-Bakargiev, havia visto suas pinturas por acaso em uma galeria em Beirute.

Em 2014, seus trabalhos apareceram na Bienal do Whitney de Nova Iorque e no Mathaf – Museu Árabe de Arte Moderna, em Doha, curado por Hans Ulrich Obrist. Em 2016, a Serpentine, em Londres, apresentou seu primeiro show solo. A partir daí, passou a integrar o seleto grupo das artistas mais desejadas do mundo. Foi considerada uma das mais relevantes do século XXI pela crítica americana durante sua exposição individual no Guggenheim no ano passado – meses antes de morrer.

É fácil perceber as semelhanças entre os dois artistas ao observar as pinturas de Etel e Van Gogh juntas: cores vivas e fortes, a presença do amarelo solar e a paisagem do campo.

Van Gogh dizia: ‘Não sei se você vai entender que se pode falar poesia apenas utilizando cores’. Além das cores e de criar obras poéticas, ambos eram escritores talentosos. Van Gogh deixou centenas de cartas extraordinárias. Etel reconheceu a mão do escritor nas pinturas de Van Gogh: “De certa forma, Van Gogh escreve em sua tela, ele está escrevendo uma paisagem.”

Etel dizia que seu trabalho era reflexo do seu imenso amor pelo mundo e pela felicidade de ser. Nesse aspecto, a vivência dos dois artistas não poderia ter sido mais diferente. Van Gogh produziu suas melhores obras dentro do hospital psiquiátrico Saint-Paul de Mausole, na Provence, como forma de amenizar sua angústia depois de cortar a própria orelha em um surto psicótico.

A tinta que usava para pintar quadros coloridos e repletos de poesia foi a mesma que consumiu para se envenenar, quando atentou contra a própria vida pela primeira vez. Meses depois, com a saúde mental deteriorada, usou uma arma para tirar a própria vida.

A diferença na vida dos dois torna a visita mais interessante, e a reflexão mais profunda. A curadora Sara Tas disse que não quis apenas mostrar como Van Gogh foi importante para Etel – seria simplista demais – mas possibilitar através das obras dela um novo olhar para o legado de Van Gogh.

Etel dizia que escrevia o que via, e pintava o que era.

Essa frase ajuda a entender como Van Gogh conseguia produzir tanta beleza a partir de sua dor – a mesma sensibilidade que o fazia sofrer imensamente permitiu que interpretasse de forma única as cores da natureza. Etel e Vincent nos mostram que a beleza pode ser gerada a partir da paz, da contemplação, do amor, da loucura, da angústia e da dor de quem sente o mundo intensamente (ainda que o sentir seja tão distinto).

Na ilustração acima, Vincent van Gogh, “Olive Trees”, 1889, óleo sobre tela, Minneapolis Institute of Art. The William Hood Dunwoody Fund.  À esquerda, Etel Adnan, Untitled, 2010, óleo sobre tela, Collection Mudam Luxemburg, Musée d’Art Moderne Grand-Duc Jean. © Photo: Rémi Villaggi / Mudam Luxembourg