O Brasil precisa de mais livros sobre negócios, relatos honestos sobre o desafio diário que é empreender.
Claudio Galeazzi acaba de publicar um, no qual levanta o capô de vários turnarounds dos quais participou.
Galeazzi já conquistou para si a posição de um elderly statesman no mundo corporativo. Já frequentou todo tipo de board e encarou todo tipo de problema de governança, gente e processos.
Na manhã de hoje, conversamos por mais de uma hora sobre o livro, sua carreira e sua vida.
Abaixo, partes desta conversa.
Sobre o processo de fazer o livro (escrito em parceria com o jornalista Joaquim Castanheira)
Não sei dizer quantas horas sentamos juntos e cheguei a desistir do processo. Continuo achando que não é tão interessante. É diferente, porque não é uma biografia. A parte que é biografia são só os primeiros dois capítulos, para explicar como eu acabei fazendo turnarounds. O que eu quis foi evitar a parte técnica, os números, e contar mais sobre o folclore que encontrei nas empresas. Dos 14 capítulos, 11 são sobre empresas em que fui o CEO ou o consultor. Eu conto candidamente os acertos, os erros e as reações dos donos e executivos. É um business book, mas com um enfoque não técnico. (…) A primeira versão estava horrível. Estava muito “I told you so”. A impressão que dava era belicosa, e eu não sou assim. Aí fui expurgando o que não era necessário.”
Sobre os fracassos em private equity
Empresas como a GP, a Tarpon e o próprio BTG – do qual sou muito próximo – erraram muito ao administrar as empresas que haviam adquirido com viés financista. No mercado financeiro, qualquer movimento se reflete de imediato: é lucro ou prejuízo, e o cara entra e sai. Na economia real, não é assim. Você tem que comprar um equipamento, mas ele não está na prateleira. É tudo longo prazo. Quando você faz um investimento, o payback é lá na frente, então você não pode administrar com cabeça financeira.”
Sobre o desafio da 3G na Kraft Heinz
Todas as medidas [de turnaround] que você toma devem ter um limite de implementação. Acho – mas só acho, porque eu não estava lá – que eles levaram as medidas a um extremo. Como eles tiveram muito sucesso nas empresas com a abordagem de corte de custos, devem ter feito uma overdose.
O rótulo de Galeazzi como cortador de custos, “Mão de Tesoura”, é uma descrição justa?
É uma descrição parcial. Você está analisando uma parte do todo. A redundância de pessoas tem o objetivo de melhorar a performance e, em muitos casos de crise, o que você quer é salvar a empresa. Mas os cortes nunca – jamais! – podem ser lineares. Não pode ser um percentual pré-estabelecido. Eles têm que ser muito específicos e fruto de uma análise aprofundada das caixinhas e das pessoas que as ocupam. E tem que ser UMA das medidas, e não A medida. Você está fazendo aquilo para salvar a empresa e os outros empregos, mas no final, ninguém vai dizer ‘ele salvou 20 mil empregos’… Vão dizer, ‘ele mandou embora 300 pessoas’.”
Seu foco sempre foi apenas o corte de custos ou você também focou na geração de novas receitas e inovação?
Um dos mitos que destroem as empresas é dizer que um novo produto ou novo negócio vai salvar a companhia. Um novo negócio demora a amadurecer, e a tendência é você levar para este novo negócio toda a incompetência que levou a empresa àquele estado em primeiro lugar. Antes de inovar, você tem que corrigir as suas deficiências de gestão.
Por que as empresas se ferram?
Há vários motivos, claro. Algumas vivem apenas do sucesso do passado. Outras sofrem por não atualizar seu formato de gestão. É aquele “sempre fizemos assim e sempre deu certo”. E finalmente tem a negação; a dificuldade do empresário e do executivo de aceitar o fato da crise, o que leva à inação. É comum (e até humano) esperar que alguma coisa vai acontecer para te tirar da crise, e às vezes você passa meses e anos antes de tomar alguma atitude.”
Como foi o seu começo?
Não fiz curso superior, fui autodidata. Tive que me esforçar muito mais que os outros. Trabalhava das sete da manhã às 10 da noite. Teve fase da vida dos meus filhos que eu não me lembro. Eu não participei. Depois que fundei a Armaq [uma empresa de equipamentos para infraestrutura], quebrei. Demorou sete anos para eu poder recuperar meu crédito. Foi um período muito duro e nos primeiros trinta dias eu pensei em suicídio. Achei importante dizer isso no livro porque deve ter muito empresário em crise pensando besteira, mas o ‘fim’ não necessariamente é o fim.
Quando eu estava quebrado, tive uma crise renal e fui ao hospital. Me disseram que eu tinha que ficar internado, porque talvez tivesse que passar por uma cirurgia. Não fiquei lá porque o hospital pediu um cheque de garantia. Eu não ia dar um cheque sem fundo. Aprendi a me dar injeção e fui para casa.