Grande parte dos economistas estuda o papel dos mercados em implantar ganhos de trocas entre agentes econômicos e, através de seus preços, sinalizar aos agentes a melhor forma de alocação de recursos.

Preços altos em um dado mercado de bens sinaliza que mais recursos devam ser utilizados para a produção desse bem (e, ao mesmo tempo, sinaliza que consumidores deveriam comprar menos desse bem e mais de um substituto. Esse processo deveria levar a alguma forma de equilíbrio; isto é, igualdade de oferta e demanda).

Quando se considera o mercado de ativos financeiros (títulos de renda fixa, ações, opções), as transações envolvem formas de se transferir recursos no tempo (alguém que poupe recursos comprando, por exemplo, um bond, consome menos hoje para consumir mais amanhã) ou entre “estados da natureza” (alguém que trabalhe no setor de mineração talvez queira, como forma de seguro, ter um portfólio de ativos que tenha correlação negativa com o preço do minério de ferro).

Um economista que trabalha em finanças se interessa por entender os fatores de risco e os associados ao tempo que determinam os preços de equilíbrio (isto é, que igualam oferta a demanda) de ativos financeiros.

A pesquisa em economia e sua base em matemática permitiram que José Alexandre se interessasse por finanças. Isso se deu no meio da década de 80, e a primeira leva de artigos tinha um componente técnico e matemático bastante forte.

Fazendo uso de instrumental matemático robusto, José Alexandre trabalhou com David Ruelle, um dos maiores físico-matemáticos do final do século 20, e com seu aluno Blake Le Baron. Em dois artigos com estes coautores, José Alexandre demonstrou que, ao contrário do que se cria à época, os retornos futuros de ativos financeiros tinham dependência de retornos passados: ou seja, os retornos de ativos não eram independentes no tempo.  Foi uma revolução para a época.

Ao longo de sua carreira, o economista fez inúmeras outras contribuições em finanças, do estudo de bolhas à identificação de fatores de risco relevantes para a precificação de bonds, passando por formas de se capturar riscos de longo prazo.

Os modelos para precificar ativos ao longo do tempo capturam de maneira precisa os prêmios de risco “instantâneos”. No entanto, muitos dos riscos relevantes em economia estão associados a prazos longos, e podem aumentar significativamente quanto maior for o período (um bom exemplo é o risco climático/ambiental).

Para esses riscos, os modelos usuais não têm necessariamente um bom desempenho. Em um trabalho seminal, José Alexandre e Lars Peter Hansen, prêmio Nobel de Economia, desenvolveram uma abordagem baseada em operadores matemáticos (um instrumento matemático complexo) para avaliar os riscos de longo prazo no fluxo de pagamentos de um ativo (considere, por exemplo, o efeito de mudanças climáticas sobre os retornos da agricultura).

Outro tema que mobilizou sua pesquisa em finanças foi a análise de bolhas especulativas. Em que condições elas podem ocorrer? Como investidores ciosos do resultado do seu investimento podem entrar em um ciclo de compras recorrentes de ativos pagando um preço acima do que acreditam que seja o que seria justificável pelos seus fundamentos?

Responder a essas perguntas é mais difícil do que pode parecer.

No mundo ideal, os preços de mercado refletem todas informações possuídas pelos agentes econômicos. Isso significa que – ainda que haja uma diferença no nível de informação entre dois agentes – o segundo agente teria consciência da melhor informação do primeiro, o que o levaria a não transacionar o ativo.

Essa constatação – estabelecida no famoso No Trade Theorem, de Milgrom e Stockey – explica porque, neste mundo ideal, não seria possível a ocorrência de bolhas especulativas. (Isso decorre de temas um pouco mais técnicos, e é discutido no anexo deste artigo.)

A ocorrência de bolhas requer que pessoas tenham visão fundamentalmente diferente sobre o funcionamento da economia: os mesmos fatos observados são interpretados de forma distinta por grupos de agentes. Mas a ocorrência da bolha também exige que haja limites para o quanto as pessoas possam especular sobre essa diferença.

Essas são as premissas para a existência da bolha.

Já um modelo matemático que tente provar a existência de uma bolha em determinado período da história tem que registrar a ocorrência de dois fatos no fenômeno observado.

Em primeiro lugar, numa bolha os preços sobem em conjunto com o volume negociado: comercializa-se cada vez mais a valores maiores. Em segundo, bolhas não costumam terminar porque as pessoas, em algum momento, concluem que o preço está fora do lugar.

O processo se interrompe, abruptamente, quando a oferta do ativo sob especulação aumenta, ou surgem ativos assemelhados.

Esses pontos motivaram a pesquisa inovadora de José Alexandre e W. Xiong. Eles criaram um modelo para analisar mercados em que ocorreu um choque exógeno – por exemplo, o aumento da produtividade nos early days da internet ou a disseminação da inteligência artificial nos dias de hoje – mas no qual os agentes discordaram sobre a magnitude do evento. Alguns podem ser mais otimistas, por exemplo dando maior peso à opinião de algum especialista sobre o que está acontecendo, gerando pressão para aumento dos preços.

Além disso, os autores também supõem, no modelo, que existem limites para os agentes fazerem apostas contra aqueles que acreditam mais no evento.  (Pense nos contrarians tentando shortear os mortgage-backed securities em The Big Short, e que não conseguiam encontrar aqueles títulos em quantidade suficiente.)

Essa hipótese é realista pois normalmente há restrições, por exemplo, a vendas a descoberto, que impedem uma parte de especular com quantidades ilimitadas.

O interessante deste modelo é que mesmo investidores céticos estarão dispostos a pagar mais do que acreditam ser o preço justo do ativo: eles passam a considerar – de maneira análoga a uma opção real — a possibilidade de encontrarem um comprador otimista, que pagaria ainda mais pelo ativo.

O modelo de José Alexandre e Xiong dá conta de todos os fatos comuns à ocorrência de bolhas. O volume de trocas aumenta significativamente com a valorização dos ativos. Por outro lado, a implosão da bolha ocorre quando a oferta dos ativos passa a aumentar. Em seus artigos, eles documentam diversos casos de bolhas e comparam as previsões do modelo com os fatos observados.

Os principais aspectos dessa agenda de pesquisa foram sistematizados por José Alexandre no livro Speculation, Trading, and Bubbles, publicado na série Kenneth J. Arrow Lectures, da Columbia University Press.

Há muito mais contribuições de José Alexandre em finanças. Para dar apenas um exemplo, José Alexandre e Robert Litterman escreveram um artigo que vincula empiricamente os retornos de títulos públicos a três fatores da curva de juros: “nível”, “inclinação” e “curvatura”.

Este trabalho resultou em uma ampla pesquisa que se estendeu por várias frentes, como, por exemplo, na associação desses fatores a aspectos macroeconômicos – permitindo entender os mecanismos macro pelos quais o risco se expressa na economia.

O início da carreira

No começo de sua carreira, José Alexandre se dedicou a temas de economia matemática que dominavam o debate à época. Com William Brock, por exemplo, estudou as condições para a convergência de uma trajetória de crescimento econômico. Em outro trabalho, sozinho, identificou condições suficientes para que trajetórias ótimas de crescimento em economias com vários setores sejam estáveis. Ambos os artigos foram publicados no Journal of Economic Theory.

Um dos temas dominantes, à época, tratava das condições para que uma economia convergisse da forma mais rápida, por meio da acumulação de capital, para a sua trajetória de longo prazo. Resultados que estabelecem essas condições são conhecidos como Teoremas de Turnpike, termo que designa, em inglês, as estradas que permitem viagens mais rápidas. Um tema nada simples, que envolve análise matemática em espaços de dimensão infinita.

Em artigo publicado na Econometrica, Aloisio Araújo, outro economista brasileiro de grande influência, e José Alexandre estabeleceram condições (suficientes) sob as quais a trajetória ótima de uma economia dependerá de maneira “comportada” (suave) das suas condições iniciais.

A partir da derivação dessa relação suave, provaram o seu Teorema de Turnpike. Muitas vezes, no processo de tentar resolver um dado problema de pesquisa, economistas estabelecem resultados técnicos gerais, aplicáveis a vários outros casos.

Em trabalho também publicado na Econometrica, em conjunto com Lawrence Benveniste, José Alexandre provou um teorema para uma classe geral de problemas de otimização dinâmica, que ficou conhecido como Teorema de Benveniste e Scheinkman.

Um singelo exemplo do seu impacto: virtualmente todo Banco Central no mundo tem, como parte de seu modelo macro, uma equação que descreve o lado da demanda da Economia, a chamada Equação de Euler. A forma mais fácil de derivar essa equação é por meio da aplicação do Teorema de Benveniste e Scheinkman. (Para os que apreciam os aspectos técnicos, trata-se de uma versão do Teorema do Envelope, fundamental para a derivação de inúmeras propriedades da demanda e da oferta em mercados competitivos, assim como para muitos dos resultados em Desenho de Mecanismos, a área que estuda como diferentes regras afetam os resultados).

ANEXO TÉCNICO

Conhecimento Comum, informações privilegiadas e o No Trade Theorem.

Um exemplo ilustra a sofisticação inesperada de argumentos lógicos envolvendo informação.

Três crianças estão sentadas em um círculo, cada uma com um pequeno lenço sobre a cabeça, vermelho ou branco, que foi posto pelo professor. Elas não sabem a cor do seu próprio lenço, apenas as que estão nas cabeças das demais crianças. Suponhamos que todos sejam vermelhos.

Se o professor pergunta se alguém sabe a cor do seu próprio lenço, a resposta é não, pois não podem observá-lo. Ele então afirma que ao menos uma das crianças está com um lenço vermelho, informação que parece irrelevante. A pergunta é feita para uma primeira criança, que diz não saber. A segunda dá a mesma resposta. A terceira, contudo, poderá afirmar com certeza que seu lenço é vermelho.

A razão é simples. Caso a segunda e a terceira crianças tivessem lenços brancos na cabeça, a primeira saberia que o seu era vermelho. Logo, pelo menos uma das duas últimas tinha lenço vermelho na cabeça.  Se a terceira tivesse lenço branco, a segunda saberia que o seu tinha que ser vermelho. Mas esta última não conseguiu responder.

Logo, a terceira conclui que a cor do seu lenço tem que ser vermelha.

A frase aparentemente inócua do professor permite à terceira criança deduzir a cor do seu lenço. Esse fato, contudo, não era de conhecimento comum. Geanakoplos discute em detalhe as sutilezas desse tema no artigo Common Knowledge, publicado no Journal of Economic Perspectives em 1992 e reproduzido no Handbook of Game Theory, vol 2.

O conceito de “Conhecimento Comum” foi introduzido por Robert Aumann em um teorema seminal sobre a impossibilidade de concordar em discordar. Dois agentes têm a mesma expectativa sobre o que pode acontecer (formalmente, têm uma mesma probabilidade a priori sobre o mundo), mas cada um tem acesso a informações privadas, que não são compartilhadas com o outro.

Vamos supor que as expectativas ajustadas pelas informações privadas de cada um sejam de conhecimento comum, ainda que não as informações que as motivaram. Nesse caso, e esse é o Teorema de Aumann, as expectativas sobre o que pode ocorrer terão que ser necessariamente iguais. É impossível concordar em discordar nessas circunstâncias.

O Teorema de Aumann é daqueles resultados que perturbaram a profissão e motivam uma agenda de pesquisa. Antonio sabe algo que Maria não sabe. Com base nisso, diz que há determinada chance de certo fenômeno acontecer. Maria sabe de outras coisas que Antônio não sabe, e com base nisso estima a possibilidade do fenômeno. Se é de conhecimento comum a chance que cada um atribui à ocorrência do fenômeno, ainda que um não saiba as razões do outro, ambos devem necessariamente atribuir a mesma probabilidade à ocorrência do fenômeno.

John Geanakoplos e Herackles Polmarchakis anos depois esclareceram parte da charada. A matemática por trás da hipótese de “conhecimento comum” é equivalente a uma série infinita de argumentos: eu sei a sua probabilidade, eu sei que você sabe que eu sei, eu sei que você sabe que eu sei que você sabe… e isso vale para ambos os participantes.

Isso implica, supreendentemente, que ambas as crenças sobre a probabilidade de ocorrência devem ser as mesmas, não importa qual o tipo de informação privilegiada que as partes tenham tido acesso.

A pesquisa sobre informação e conhecimento comum leva a resultados surpreendentes. Um exemplo é a extensão do teorema de Aumann para economias de mercado, como a demonstrada por Paul Milgrom e Nancy Stokey no artigo No Trade Theorem, publicado no Journal of Economic Theory.

Caso os agentes tenham conhecimento comum sobre a estrutura de mercado, e a distribuição de bens seja eficiente antes do acesso a informações privilegiadas, não haverá trocas depois do acesso a estas informações. Os preços de mercado refletem o que cada um privadamente aprendeu e que o outro não sabe.

Comprar, nessas circunstâncias, significa pagar mais do que o bem efetivamente vale. De outra forma, se os agentes tivessem a mesma visão de mundo (mesma prior, no jargão) e a sua racionalidade fosse conhecimento comum, não ocorreriam trocas exclusivamente pelo acesso a informações privilegiadas.

Trocas apenas ocorrem se há os fundamentos as justificam, por exemplo, uma empresa precisa de recursos para investir num projeto ou um agente tem necessidade de liquidez. Trocas baseadas em informações distintas só podem ocorrer se os agentes tiverem interpretações diferentes sobre como o mundo funciona, mesmo tendo acesso às mesmas informações.

Preços são mecanismos eficientes de transmissão e agregação das informações privadas. Esse ponto havia sido aventado por Hayek em seu célebre debate com outro grande economista, Oskar Lange, nos anos 1940. Lange, socialista, havia derivado condições para que um planejador central pudesse implementar decisões de produção e de consumo tão eficientes como uma economia de mercado.

Hayek respondeu que era inviável uma autoridade central coletar essa imensidão de informações.

Sob certas condições, em uma economia de mercado, por outro lado, os preços sistematizam naturalmente a maioria dessas informações e induzem escolhas privadas eficientes (este é o Primeiro Teorema do Bem-Estar, sugerido por Adam Smith no seu A Riqueza das Nações, e provado formalmente quase dois séculos depois por Ken Arrow e Gerard Debreu).

A questão associada à peleja de Hayek e Lange, no entanto, permanecia em aberto: preços são a forma mais eficiente de se agregar informação dispersa?

Anos depois, a teoria econômica conseguiu sistematizar a intuição de Hayek. Leonid Hurwicz (que recebeu o prêmio Nobel em 2007) provou que, sob condições de convexidade, preços de mercados (competitivos) constituem a forma mais eficiente (isto é, menos demandante em termos de requerimentos de comunicação) de se agregar informação dispersa.

Nem sempre os mercados são eficientes, mas esses casos devem ser tratados com cuidado técnico e atenção aos detalhes.

Um corolário do No Trade Theorem é que tampouco haverá componente de bolha no apreçamento de ativos (o preço sempre coincidirá com seu valor fundamental).

Isso, entretanto, contradiz a evidência. Casos de bolhas especulativas são reportados na história, e aparecem com características inesperadas. O aumento seguido de preços é acompanhado pelo maior volume de trocas. Eventualmente, a oferta aumenta e a bolha implode rapidamente. Como explicar esse fenômeno?

A contribuição de José Alexandre e Xiong, discutida neste artigo, foi delimitar as condições necessárias para a ocorrência de bolhas e que gerassem os fatos observados. Eles supõem que os agentes têm crenças distintas sobre o funcionamento da economia ao observar a mesma evidência (no jargão da profissão, rompem com a crença de common prior).

Além disso, as hipóteses adotadas permitem reproduzir os movimentos conjuntos entre preço e volume de troca, assim como entre aumento da oferta e colapso das bolhas, observados nos casos históricos.

Marcos Lisboa e Vinicius Carrasco são economistas. Este é o terceiro de uma série de quatro artigos comemorando a carreira e o legado de José Alexandre Scheinkman. A séria continua aqui.