A boa notícia é que o CADE está mais ativo.

A má notícia é a mesma.

O CADE vetou hoje a compra da Alesat Combustíveis pela Ipiranga, mandando para a cova uma operação que já foi tida como uma barbada e sugerindo que o risco regulatório para dezenas de companhias com ambições de consolidação era maior do que se imaginava.

A decisão do CADE — que surpreendeu acima de tudo pela unanimidade — vem um mês depois que o colegiado vetou a fusão da Estácio com a Kroton, e sugere um crivo mais duro do regulador que pode complicar as chances de aprovação da venda da Liquigás para a Ultragaz, dado que o mercado de botijão de gás é tão concentrado quanto o de combustíveis.

O fracasso da operação derrubou a ação da Ultrapar — controladora da Ipiranga e da Ultragaz — em quase 5%, com um volume negociado seis vezes acima da média. 

A princípio, a compra não parecia ser um ‘big deal’.  A Ipiranga tem 19,9% do mercado nacional de distribuição de gasolina; a Alesat tem 4,4%.  (O share da Alesat em diesel e etanol era ainda menor). 

Mas o CADE, corretamente, analisou o mercado de distribuição como tendo uma dinâmica regional, e focou no papel da Alesat como uma opção para os postos de bandeira branca.

O conselheiro relator do caso, João Paulo de Resende, disse num comunicado que “a Alesat é a maior distribuidora regional de combustíveis, com mais capacidade de rivalizar com as três que operam em nível nacional: Ipiranga, Petrobrás e Raízen. Como a estrutura do mercado de distribuição interfere no de revenda, a compra da Alesat pela Ipiranga geraria significativo impacto na capacidade de concorrência no mercado por parte de postos regionais e de bandeira branca abastecidos atualmente pela Alesat.

Além de seus 1.200 postos, o principal ativo da Alesat são suas bases de distribuição, locais de armazenamento onde os donos de postos vão buscar o combustível.  A Alesat tem bases em 44 municípios.

“A operação [proposta] elimina, em grande parte dos mercados analisados, a principal distribuidora capaz de abastecer postos interessados em permanecer como bandeira branca ou em ter uma alternativa negocial de embandeiramento às três grandes distribuidoras de nível nacional”, disse o relator.

Nas contas do relator, se a operação fosse aprovada, a participação de mercado da Ipiranga “elevaria a probabilidade do exercício de poder de mercado em 11 estados e no Distrito Federal (correspondente a, aproximadamente, 65% da operação), sem apresentação de eficiências que neutralizassem os efeitos lesivos à ordem econômica.” 

Ele também disse que a aprovação aumentaria a barreira de entrada para um novo concorrente.  O remédio proposto pelo relator era amargo:  a alienação de todos os ativos da Alesat nos mercados problemáticos.  A proposta foi descartada pelas requerentes. 

A decisão também pode ter repercussões para o mercado de combustíveis.

No mercado nacional, Ipiranga, Raízen e a BR Distribuidora têm, juntas, cerca de 75% do mercado; somando a Alesat, o share combinado chega a 80%.

Para o consultor Adriano Pires, ex-superintendente de abastecimento da ANP, o mercado de distribuição exige um nível de concentração elevado porque trabalha com margens minúsculas, de 2% a 4%.  

“O CADE adotou essa medida para, em tese, proteger o direito de escolha do posto independente, mas não é bem assim:  os postos que têm bandeira já compram de uma distribuidora específica, porque isso está no contrato, e os de bandeira branca passariam a comprar de outra.  Se não houvesse opção num ou noutro município, o CADE deveria mandar a Ipiranga vender estas bases.  A proibição pura e simples parece algo excessivo.”

O veto de hoje vai acabar com as operações de fusão e aquisições no setor, diz Pires.  “As grandes não poderão comprar mais nada, e as regionais não tem dinheiro pra comprar coisa alguma.”

O veto do CADE retira um cheque de R$ 2,2 bilhões das mãos dos controladores da Alesat — o fundo de private equity, Darby Overseas; o empresário potiguar Marcelo Alecrim; e o grupo mineiro Asamar — que agora tentarão retomar ‘business as usual’ depois de um ano focados na aprovação do negócio.

Uma fonte próxima à Alesat disse que a demora na análise do caso cria problemas para as empresas sendo vendidas, que param de investir e frequentemente perdem capital humano e market share enquanto aguardam o julgamento do caso. 

A decisão de hoje também marca a segunda derrota consecutiva para o Barbosa Mussnich Aragão, o escritório de advocacia à frente do caso Kroton/Estácio, de Ipiranga/AleSat e de Ultragaz/Liquigás.

Entre advogados antitruste, a percepção é de que o novo colegiado do CADE, por ser mais jovem, está menos disposto a ceder. 

“Acho que eles querem marcar posição de que não se dobram aos interesses de grandes corporações, e com isso dificultam o diálogo para remédios,” diz um advogado veterano do setor. “Um cara mais negociador, que saiba dialogar com o mercado, faz muita falta.”  

“Mas sem estar dentro do caso,” completou o advogado, “é imposível saber quem foi mais cabeça dura, se o CADE, o advogado ou o cliente.”