Para o desafio espinhoso de aprovar no CADE a compra da Liquigás, a Ultrapar recrutou a advogada Barbara Rosenberg, do escritório Barbosa Mussnich Aragão, um peso-pesado em casos de antitruste. O escritório já lida com as outras duas aquisições da Ultrapar deste ano: a distribuidora de combustíveis AleSat e a operação de lubrificantes da Chevron.
Com a Liquigás, a Ultrapar, que já era a líder do setor com a Ultragaz, passa a ter uma participação de mercado estimada em 45%. Em alguns estados, a concentração é ainda maior: Bahia (59%), Santa Catarina (51%), Rio Grande do Sul (56%) e São Paulo (57%).
Ex-titular da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e acostumada a cuidar de casos antitruste complicados, Rosenberg pretende convencer o CADE a expandir o conceito de ‘mercado relevante’ de gás que será analisado, o que reduziria, em termos relativos, a concentração de mercado nas mãos da Ultrapar, segundo duas pessoas próximas ao caso.
Assim, em vez de analisar a participação da Ultrapar/Liquigás apenas no mercado de gás liquefeito de petróleo (GLP, também conhecido como o gás de botijão), Rosenberg vai argumentar que o mercado relevante para a análise é a soma dos mercados de GLP e de gás encanado.
Por afetar o custo de vida de milhões de brasileiros de baixa renda, o preço do gás de botijão é um assunto sensível, e influenciado no longo prazo pela estrutura de mercado. Além disso, o mercado de gás de botijão tem um histórico de carteis: há apenas três meses o CADE abriu uma investigação para apurar práticas de cartel na região Nordeste, envolvendo sete distribuidoras de GLP, incluindo a Ultragaz e a Liquigás. O aumento da concentração neste mercado pode favorecer a coordenação de preços.
A venda da Liquigás acontece num momento em que o CADE se encontra sem liderança clara e à mercê de definições políticas; o mandato de seu presidente interino expira em janeiro.
Ainda assim, a agenda da Petrobras tem passado à frente da fila. A venda da rede de gasodutos da Petrobras para a Brookfield foi aprovada em tempo recorde. Anunciada em 23 de setembro, a operação foi aprovada em 19 de outubro. Isso apesar da falta de uma regulamentação clara por parte da Agência Nacional do Petróleo.
A tese de Rosenberg enfrentará oposição das distribuidoras de gás encanado, que já se articulam para participar da análise no CADE como ‘parte interessada’.
As distribuidoras dizem que os mercados não podem ser analisados conjuntamente porque são distintos: elas têm tarifas reguladas e determinadas por agências estaduais, enquanto o gás de botijão tem preços livres.
Além disso, temem que a Ultragaz/Liquigás faça uso de seu maior poder de mercado para criar barreiras à expansão das redes de distribuidoras de gás natural, praticando preços ‘defensivos’ em certos mercados.
Mas talvez a maior preocupação do setor seja com a política de fornecimento de gás da Petrobras ao grupo Ultra. A estatal está se desfazendo da distribuidora de gás de cozinha, mas ainda é a principal produtora e importadora do produto. As distribuidoras querem se certificar de que não haverá favorecimento à Ultrapar em detrimento dos demais compradores, e cobram um contrato transparente entre as duas partes.
Uma política de preços transparente também é do interesse dos acionistas da Petrobras. Com exceção da Comgás, CEG e Gás Natural, a estatal é acionista de praticamente todas as empresas de gás encanado do Brasil.