Quase três anos anos depois de colocar em aviso prévio o fossilizado monopólio dos taxistas e inaugurar um ‘mercado de caronas’ no Brasil com um nível de serviço sem precedentes, o Uber não é mais aquele.

A lua de mel regada a balinhas, serviço de primeira e preço baixo de repente deu lugar a uma lista de reclamações, que incluem falhas de geolocalização, problemas de cobrança e mudanças na ‘tarifa dinâmica’ – o sobrepreço aplicado quando a demanda supera a oferta de motoristas.

No ano passado, o Uber foi a 16ª empresa com mais queixas no site Reclame Aqui, à frente do Itaú e do Banco do Brasil, por exemplo.  As reclamações saltaram de cerca de menos de 400 em janeiro para mais de 4 mil em outubro e mais de 5 mil em dezembro. No ano todo, foram protocoladas cerca de 30 mil queixas, das quais 24 mil só no segundo semestre.

Mas o Uber avançou: saiu de cinco para 40 cidades atendidas e de 500 mil para mais de 4 milhões de usuários no país em 2016. 

Alguns problemas começaram a aparecer em novembro, quando o Uber fez uma grande atualização de seu aplicativo.

Desde então, clientes e motoristas vêm relatando problemas com o GPS: você chama o carro num determinado endereço, mas aparece outro no celular do motorista.

Além disso, os usuários estão confusos com relação à cobrança no cartão de crédito, que agora, em muitos casos, é feita antes da corrida começar, com base na estimativa de preço oferecida pelo aplicativo.

“Uber, me explica porque vocês estão cobrando o cartão antes de eu entrar no carro?” protesta um usuário no Facebook. “O que está acontecendo com esse aplicativo, gente? Toda vez isso. E se o cara cancela? E se o trajeto é maior? E se tem trânsito? E se eu mudo de caminho no meio? E se eu divido a tarifa com alguém?”

O Uber diz que não há nada a temer. Segundo a empresa, o novo sistema apenas verifica o cartão antes da corrida, e o valor é estornado nos minutos seguintes. “Com o preço pré-definido, o valor pode ser pré-autorizado no cartão (assim como hotéis fazem), sendo que o valor final é cobrado apenas ao fim da viagem”, disse a empresa em nota.

Ainda assim, trata-se de uma piora na percepção do serviço, já que antes o cliente não tinha que se incomodar em acompanhar o estorno.

E, ao que parece, nem os motoristas foram devidamente informados sobre a mudança: há diversos relatos de motoristas que se recusam a fazer mudanças no trajeto ou alguma parada, alegando que a cobrança foi feita previamente e eles não receberão mais por isso.

Além das queixas em relação ao serviço, os usuários passaram a questionar também a principal vantagem do Uber: o preço. As reclamações ganharam amplitude em outubro, quando a empresa mudou a forma como mostrava sua ‘tarifa dinâmica’.

Antes, uma tela afirmava que a procura estava muito alta e exibia em letras garrafais o multiplicador da tarifa comum: 1,5 ou 2 vezes, por exemplo. Agora, o app mostra um aviso mais discreto abaixo do preço da corrida, informando que “as tarifas estão mais altas devido ao aumento da demanda”.

O usuário sabe que o preço está inflado, mas não necessariamente quanto está pagando a mais. Quem já tem uma ideia do valor do trajeto normal consegue avaliar rapidamente a distorção do preço. Quem vai fazer uma corrida para um lugar não tão habitual, no entanto, fica no escuro.  Nas redes sociais, muitos clientes também se queixam do predomínio cada vez maior da tarifa dinâmica ao longo do dia – de fato, em São Paulo, o preço inflado, normalmente restrito aos horários de pico ou chuva, virou rotina em dezembro.

“Observo que no início tínhamos um excelente serviço por um preço menor que o dos táxis… hoje temos um serviço bom que frequentemente não conseguimos usar por falta de carros e tarifas sempre acima da tabela normal (1,5x, 2x, 2,5x, 3x e até 4x)”, um usuário de Porto Alegre escreveu na página do Uber no Facebook.

É possível que o período de festas tenha impulsionado a demanda por viagens ao mesmo tempo em que reduziu a oferta de motoristas, que tiram férias como qualquer filho de Deus.

Os desafios de qualidade do Uber surgem no momento em que a concorrência está se tornando mais agressiva.

A 99 acaba de receber um aporte de US$ 100 milhões da chinesa DiDi Chuxing.  Como se sabe, o Uber jogou a toalha na China e vendeu sua operação chinesa para a DiDi em agosto do ano passado, em troca de uma participação de 17,7% na empresa. Mas a Didi continua sendo concorrente do Uber em outros países. Desde o ano passado, já investiu em pelo menos quatro aplicativos fora da China: a indiana Ola, a americana Lyft e a Grab, que atua no Sudeste asiático. Agora, tendo a 99 como investida, a Didi pode aumentar a pressão sobre o Uber no Brasil.

 
Além disso, muitos taxistas, depois de espernear e tentar acabar com o Uber à força, se alistaram no exército da concorrência.
 
Tanto a 99 quanto a Easy Taxi lançaram uma modalidade de táxis 30% mais barata que a tarifa comum em diversas cidades – o que costuma deixar a corrida mais barata que o Uber. Os próprios taxistas, individualmente, escolhem ao longo do dia se querem ou não oferecer o desconto. Quando a procura é muito alta, eles praticam a tarifa normal. Quando a demanda cai, viram a chave para o desconto. Ambos os aplicativos também estão investindo em serviços de transporte por carros de particulares – o 99 POP e o EasyGo — e não apenas táxis.

Outra novidade é o Cabify, aplicativo espanhol que chegou ao Brasil em junho e alardeia a ‘transparência de preços’ nos seus anúncios – fazendo referência direta à concorrência com o mote: ‘livre-se da tarifa dinâmica’.  O Cabify cobra apenas pela distância percorrida e não leva em conta o tempo ou a disponibilidade dos motoristas, como no Uber.

 
Na foto acima: Travis Kalanick, fundador do Uber.