Claudia Sheinbaum fez história ao se eleger como a primeira mulher que assumirá a Presidência do México.
Mas a vitória avassaladora da coalizão liderada pelo atual presidente, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, lançou dúvidas sobre o futuro da economia mexicana – e até mesmo sobre a vitalidade da democracia no segundo país mais populoso da América Latina, com mais de 99 milhões de eleitores.
Os investidores não reagiram bem ao resultado das urnas. Apesar do já esperado favoritismo da candidata apoiada por AMLO, o resultado ficou acima do esperado – com os partidos de esquerda conquistando dois terços da Câmara e ficando muito perto de assumir a maioria qualificada de dois terços também no Senado.
O peso mexicano caiu 4% hoje em relação ao dólar, recuando ao seu menor valor desde novembro. Já o principal índice da Bolsa do México caiu 6%, o maior tombo desde março de 2020, quando a pandemia começou. O ETF EWW, que reflete a variação da bolsa mexicana em dólares, desabou 11%. No acumulado do ano, o ETF mexicano tem perda de 14,6%, quase idêntico ao EWZ, de ações brasileiras, cuja desvalorização está em 15,4%.
Na agenda de AMLO e seu partido — o Morena (Movimento de Regeneração Nacional) — estão projetos como a possibilidade de eleição de juízes e a eliminação da agência eleitoral autônoma. Na economia, o líder mexicano vem promovendo investimentos públicos maciços com a crescente participação de militares à frente dos projetos, além da reestatização de empresas.
A apuração dos votos ainda não foi concluída, mas as projeções mostram que Sheinbaum recebeu quase 60% dos votos, de longe o maior percentual das últimas décadas.
O Morena saiu fortalecido também no voto para governadores, ganhando 7 dos 9 estados em disputa.
“Estamos agora em território de partido único no comando do México,” disse ao Wall Street Journal Duncan Wood, analista do Wilson Center, em Washington. “Não apenas a Presidência e o Congresso, mas em todo o país. É uma onda absoluta.”
Alguns observadores aventaram a possibilidade de uma reedição da ‘ditadura perfeita’ do Partido Revolucionário Institucional, o PRI, que comandou o país de 1929 até 2000.
Sheinbaum, de família judia, tinha uma carreira notável nos EUA como pesquisadora de energia e chegou a fazer parte do IPCC, o painel da ONU sobre mudanças climáticas. Mas decidiu abraçar a política – e o Morena de AMLO.
Em 2000, AMLO, então governador da Cidade do México, nomeou Sheinbaum como secretária do Meio Ambiente. Foi o início dela na política. Em 2018, ela se elegeu como governadora da Cidade do México, cargo que ocupou até o ano passado.
No dia 1 de outubro, Sheinbaum assumirá a Presidência do país, para um mandato de 6 anos.
A legislação mexicana veta a reeleição de presidentes. AMLO tentou derrubar a restrição, mas a oposição conseguiu impedir suas investidas. Agora, com ampla maioria, o Morena poderá retomar esse projeto.
O novo Congresso assumirá em 1 de setembro, um mês antes da posse da nova presidente. AMLO ainda estará no poder e terá a possibilidade de passar leis de seu interesse, como a reforma do judiciário, como indicou hoje pela manhã durante uma entrevista coletiva.
“Não é possível ter um poder jurídico que não esteja a serviço do povo e, como amplamente sabido, ele está a serviço de uma minoria,” afirmou o presidente mexicano.
O México tem sido o grande beneficiário do nearshoring, superando recentemente a China como maior parceiro comercial dos EUA. Mas o crescimento do PIB tem sido modesto. O avanço deverá ficar ao redor de 2% neste ano, depois de um avanço de 3,2% em 2023.
Um dos pontos de fragilidade é a deterioração da situação fiscal, com o déficit nominal estimado em 6% do PIB neste ano, o maior em quatro décadas. A dívida pública se aproxima de 50% do PIB, ainda baixa em comparação com outros países da região, mas em trajetória de alta. A inflação tem se mantido entre 4% e 5% ao ano.
“O governo de Claudia Sheinbaum não deve comprometer a estabilidade macroeconômica, limitar a autonomia do Banco Central ou enfraquecer de maneira significativa a situação fiscal,” disse a Goldman Sachs em um relatório divulgado hoje. “Mas o governo e o Congresso liderado pelo Morena deverão evitar as reformas necessárias para atrair investimentos que impulsionem as oportunidades de nearshoring e mantenham a disciplina fiscal.”
Para o Citi, Sheinbaum vai enfrentar desafios na economia muito superiores aos enfrentados por AMLO no início de seu mandato.
“O mercado está subestimando o risco fiscal do México,” afirmou o banco em um relatório de hoje. “O grande déficit de 2024 marca o fim dos anos de austeridade sob AMLO. O que aumentou será difícil diminuir: aposentadorias, programas sociais e apoio para a Pemex.”
“Os preços dos ativos mexicanos devem se ajustar à nova realidade,” disse ainda o Citi. “A deterioração institucional traz dúvidas sobre a desejada atração de capital estrangeiro, diminuindo as esperanças de uma revitalização da economia.”