Ryan Holiday estudava ciência política e escrita criativa na Universidade da Califórnia quando decidiu abandonar a faculdade aos 19 anos. O dropout foi ganhar a vida como consultor de marketing, e acabou diretor da marca moderninha American Apparel.

Em 2014, mergulhou nos pensadores do estoicismo e publicou O obstáculo é o caminho (Intrínseca, 240 págs.), que caiu nas graças de executivos de startups e de Wall Street, além de celebridades da música e do esporte.

Em capítulos breves, Holiday mostra como o estoicismo influenciou a trajetória de líderes políticos e empresariais – de George Washington e Thomas Edison a Barack Obama e Steve Jobs – ajudando-os a “transformar provações em triunfo”.

“Culpamos os nossos chefes, a economia, os políticos, os outros, nos vemos como fracassados ou consideramos nossos objetivos impossíveis,” diz Holiday. “Quando, na verdade, apenas uma coisa está errada: nossa atitude e abordagem.”

Sua principal fonte de inspiração foi o clássico Meditações, os diários pessoais e reflexivos do imperador romano Marco Aurélio (121-180), um seguidor dos estoicos gregos clássicos.

“O que impede a ação antecipa a ação,” escreveu Marco Aurélio. “O que está no caminho torna-se o caminho.”

Então “o obstáculo no caminho passa a ser o caminho”, em uma atitude de “virar os obstáculos de cabeça para baixo” e encontrar a saída para aflições de dificuldades.

O autor escreveu na sequência O ego é seu inimigo e A quietude é a chave, que, apesar de terem sido publicados nos Estados Unidos depois de “O obstáculo é o caminho”, já haviam sido lançados no Brasil.

Hoje com 35 anos, Holiday passa a maior parte do tempo em seu rancho perto de Austin, no Texas. Respondeu por escrito perguntas do Brazil Journal sobre como o estoicismo pode nos ajudar a lidar com desafios como a pandemia, o quiet quitting e as correções na Bolsa.

 

“O Obstáculo é o Caminho” saiu originalmente em 2014. Mas, com a pandemia, ganhou novos leitores. Como o estoicismo pode contribuir para a travessia desse período de enorme ansiedade?

O título do livro foi inspirado nos diários de Marco Aurélio, as Meditações, nas quais ele lutava com sua própria prática estoica. Ele enfrentou uma pandemia de 15 anos. Perdeu oito filhos, imagine só! Enfrentou obstáculos enormes, tanto pessoais quanto políticos, e muitas das práticas que ele descreveu em seus diários são aquelas que inspiram as pessoas hoje.

Em sua essência, o estoicismo nos ensina a aceitar o que não está sob nosso controle e focar apenas nas coisas que ESTÃO sob nosso controle – nossas atitudes, nossas escolhas e as ações que tomamos para nosso próprio bem e para o bem comum. Muitos estão encontrando conforto nessa abordagem durante a pandemia.

O estoicismo é frequentemente associado à ideia de reprimir emoções e indiferença ao prazer e à dor. É uma maneira errada de compreender essa filosofia?

Esse é um dos equívocos mais comuns. O estoicismo oferece um conjunto de estratégias para gerenciar emoções tóxicas, como raiva e ansiedade, enquanto promove emoções positivas, como gratidão e afeto mútuos. Quando somos capazes de manter as emoções tóxicas sob controle, somos mais capazes de responder às situações de maneira virtuosa – com mais autocontrole, coragem, justiça e sabedoria. Prazer e dor são comuns a todos nós, mas aumentamos nosso sofrimento quando tomamos decisões baseadas apenas em buscar prazer ou evitar a dor e deixamos a virtude de fora.

Você considera o quiet quitting [a ‘renúncia silenciosa’, a atitude de reduzir a carga de trabalho] uma reação estoica, diante do estresse e do risco de burnout?

A pandemia desencadeou uma mudança radical na forma como as pessoas trabalham e se sentem em relação ao trabalho. Os custos humanos do isolamento, da perda e da indefinição das fronteiras entre trabalho e vida levaram muitos a repensar o lugar do trabalho em suas vidas.

O estoicismo oferece ferramentas para pensar nesses tipos de problemas para que sejamos uma pessoa equilibrada e boa. Se o seu trabalho está destruindo isso, os estoicos diriam para fazer algo para mudar isso. Um bom estoico não reclama ou culpa os outros. Nesse sentido, o quiet quitting não é estoico. O estoicismo ensina que não temos apenas deveres para conosco, mas para com os outros e para os papéis e posições que assumimos na vida.

Marco Aurélio disse que devemos enfrentar cada dever com uma mente firme e dignidade simples. Se você confrontar seu chefe dessa maneira, pode mudar as coisas para melhor. E, se isso não acontecer, não há razão para ficar quieto em sua renúncia.

Você vê a filosofia como um substituto para aqueles que não são religiosos?

Acho que muitas pessoas são atraídas pelo estoicismo precisamente por causa de seu materialismo e panteísmo – os estoicos viam toda a natureza e o universo como o corpo vivo de Deus. Cada um de nós tem uma centelha do divino em nós, e o objetivo de uma boa vida é manter nosso daemon, ou centelha individual de gênio, em harmonia com a natureza universal. Então, sim, muitos ateus acham esse modelo mais palatável do que o de um Deus transcendente. Dito isso, muitos tipos religiosos acham a visão personalista de Deus expressa por Epiteto e outros estoicos bastante de acordo com suas próprias visões.

A Arte da Guerra se mantém como uma leitura popular em Wall Street. As Meditações de Marco Aurélio podem ser um melhor guia para os investidores e gestores atravessarem o ciclo de queda no mercado?

Certamente há muito nas Meditações que podem ajudar um investidor. A exuberância irracional dos mercados é inevitavelmente seguida pelo medo. Marco Aurélio estava constantemente se lembrando de permanecer no momento presente, de não se distrair com notícias de última hora ou ser levado como um fantoche.

Tudo isso é um ótimo conselho para os investidores, especialmente em um mercado em baixa. A tomada de decisão impulsiva e precipitada com base nas impressões do mercado é uma maneira rápida de perder fortunas. Sêneca ensinou que é melhor conhecer o balanço de sua própria vida do que o do mercado.

As pessoas vivem constantemente em um estado de FOMO, o ‘fear of missing out’, o medo de ficar de fora. Qual o caminho para nos concentrarmos nos assuntos mais importantes?

Marco Aurélio disse que se formos a fundo dentro de nós mesmos, encontraremos uma fonte de bondade sempre pronta para fluir se continuarmos cavando por ela. Muitas vezes, as distrações da vida nos afastam desse trabalho interior essencial. Foi uma lição que ele aprendeu lendo Epiteto, o ex-escravo que se tornou filósofo estoico.

Epiteto disse que, antes de tudo, você deve “proteger seu próprio bem em tudo o que faz.” Muitas vezes isso significa perder distrações e diversões para ganhar algo de maior valor: integridade e paz de espírito.