Onde foi que paramos? Ah sim, as coisas estão melhorando…
A Bovespa subiu 10% em abril e o dólar recuou do patamar de 3,30 para 3 reais — e está com toda cara de buscar os 2,90 em breve. Mais: até semana passada os bancos de investimento escreviam relatórios sobre a ‘distensão’ no mundo político brasiliense.
Tudo isso — sinais de preço e sinais de fumaça branca — criou um clima de alívio e otimismo junto a alguns setores do mercado. Quem sabe a crise, de tão anunciada, acabou virando a proverbial e infame marolinha? Quem sabe dá pra seguir em frente só com o ajuste fiscal que está dado?
Infelizmente, tudo indica que os fatores por trás desta melhora são apenas conjunturais, e que os desafios que o País enfrenta sugerem mais cautela do que otimismo.
1) No lado fiscal, o pacote de ajuste avança aos trancos e barrancos, mas a economia real não perdoa. A arrecadação de impostos está mergulhando, e o total de janeiro a abril deve ficar abaixo dos níveis de 2013 (incluindo aí a receita de Estados e municípios com royalties e participação especial do setor de petróleo), nas contas do economista Mansueto Almeida. (Os números oficiais saem daqui a 20 dias).
“O pagamento de royalties e participação especial despencou e, no caso de dividendos, diminuiu muito o recolhimento de dividendos por parte do BNDES e da Petrobras para o Tesouro,” diz Mansueto. “Em abril de 2014, a Petrobras havia pago 2 bilhões de dividendos ao governo federal. Não parece que isso ocorreu este ano.”
Assim, apesar de todo o esforço do governo federal de recompor a sua receita e aumentar impostos como IOF, CIDE e PIS/Cofins sobre combustíveis, mal dá pra enxugar o gelo do crescimento das despesas nos últimos anos. (O aumento de impostos já chega a 52 bilhões de reais por ano, incluindo-se, nesta conta, o efeito do aumento das tarifas de energia sobre a arrecadação dos Estados e da União.)
Mansueto acredita que o Governo só vai conseguir entregar 0,8% do 1,2% do PIB prometido para este ano, mas, assim como outros economistas, concorda com a tese de que o mais importante é o Governo estar na direção correta.
O problema, segundo ele, é 2016, quando o superávit prometido é de 2% do PIB mas a arrecadação corre o risco de desapontar de novo, dado que o crescimento da economia esperado para 2016 é de apenas de 1%. Geralmente há um atraso entre a melhora da economia e a melhora da arrecadação. Em 2010, por exemplo, o PIB cresceu 7,6%, mas isso só se refletiu na arrecadação de 2011, porque em 2010 as empresas ainda estavam compensando o prejuizo que tiveram em 2008-2009. O mesmo deve acontecer no ano que vem.
Diz Mansueto: “O Levy não vai conseguir entregar [o superávit de 2016] se não tiver um mega aumento da carga tributária.”
2) Aumentar impostos exige amplo apoio político na sociedade e no Congresso, algo que o Governo definitvamente não tem. A despeito de operar ‘no limite da responsabilidade’ para acomodar o PMDB, o governo continua refém, subnutrido e mendicante no Congresso. Na votação da MP 665, o Governo ganhou por uma margem de 25 votos na Câmara. Semana passada, a MP 664 (que dispõe sobre pensões) passou com margem maior, mas impôs derrotas ao Governo nos temas do fator previdenciário e do auxílio-doença.
Veteranos da politica dizem que, pouco tempo atrás, o Governo botava em votação medidas de seu interesse quando tinha 55 senadores no plenário. Botava em votação e aprovava. Hoje, só se arrisca a fazer isso quando há pelo menos 65 senadores no plenário.
Para piorar as coisas (para o Governo), o PSDB chutou o pau da barraca da cooperação. Se antes o partido se aliava ao Governo na hora de votar propostas que tivessem ‘racionalidade econômica’, ultimamente o partido tem jogado mais o jogo político. “A postura do PSDB é de apoiar o Governo se o Governo propuser grandes reformas, mas não ajudar o Governo com esses pequenos remendos pra resolver problemas que o próprio Governo criou,” diz uma fonte em Brasilia.
O Governo também não tem contribuído para criar um clima de cooperação. “Na hora de votar coisas que interessam ao PT, o PT procura os outros partidos, mas quando eles discordam e ficam em lados opostos, como aconteceu na terceirização, o PT fala mal dos outros partidos.”
3) Boa parte da performance da Bovespa nas últimas semanas ocorreu em cima de uma melhora abrupta e dramática nos preços do petróleo e do minério de ferro no mercado internacional, que empurraram respectivamente as cotações da Petrobras e da Vale, que juntas respondem por 17% do índice.
No mercado de minério de ferro, sinais de alguma disciplina num mercado superofertado ajudaram a melhorar as expectativas , mas, na sexta-feira, já havia notícias de mineradoras reativando minas. Já a reprecificação da Petrobras teve a ver principalmente com a publicação de seu balanço, mas a empresa ainda enfrenta uma série de desafios gigantescos — financeiros, operacionais, reputacionais e legais. O mais interessante deles, no entanto, será a necessidade de aumentar o preço dos combustíveis se o petróleo continuar subindo lá fora.
4) Enquanto isso, o Governo ainda se mostra hesitante em fazer uma reforma profunda no marco regulatório, que continua travando os investimentos em infraestrutura.
Em que pese a racionalidade recentemente trazida para o setor elétrico — talvez mais por necessidade de caixa do que por princípios — as agências continuam aparelhadas, sem dente e sem agenda, e as políticas que favorecem preços módicos (em vez de preços ‘reais’) continuam na prateleira do Planalto. Semana passada, a Presidente Dilma colocou o pouco que ainda tem de popularidade a serviço da tese do conteúdo nacional, esse biombo que esconde a ineficiência e a corrupção, como a Lava Jato está mostrando.
Isso sem falar nos problemas de crédito que se avolumam na economia, um desafio para o sistema financeiro, e na exaustão do consumidor, torturado por tarifas públicas em alta e perspectivas de emprego mais sombrias.
Por enquanto, a reversão da alta do dólar no mercado internacional funciona como Novalgina para as febres da economia brasileira, fornecendo um alívio temporário no fluxo de capitais — até porque, com a Selic a 13,25%, o Brasil está irresistível. Mas o Brasil não precisa de analgésicos, e sim de uma neurocirurgia que mude a forma como o Estado se financia e aloca os recursos. Aparentemente, já temos o doutor, mas falta equipe, tempo e, acima de tudo, liberdade de ação.