MADRI – O bar de tapas está para o espanhol como o boteco está para o mineiro.
É um traço da personalidade, um ponto de encontro etílico, e a certeza de comida aconchegante fora de casa. Praticamente um segundo casamento.
A relação é tão séria que os estabelecimentos tradicionais de bairro, em que o garçom é chamado pelo nome e as receitas são da ‘abuela’, foram apelidados de “bares de toda la vida”.
Existe até um pleito para que patatas bravas (batatas gordinhas fritas com molho picante), croquetas (croquetes) e companhia sejam reconhecidas pela UNESCO como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
Não é surpresa, então, que com o avanço do turismo na Espanha – o país foi o segundo mais visitado do mundo em 2023 – um lugar nas “barras” (balcões) mais famosas de Madrid seja disputado… a tapas.
Ainda mais se considerarmos que a dinâmica coincide (e se retroalimenta) com o boom do ‘fine dining’ e da coquetelaria no país.
Segundo a premiação 50 Best, 3 dos 4 melhores restaurantes do mundo são espanhóis, assim como 2 dos 4 melhores bares.
Mas não se deixe enganar pelo crescimento da oferta e das filas de espera. Nem toda esquina reserva uma boa experiência gastronômica.
Isso porque, em uma ponta, é crescente a quantidade de espaços que oferecem cardápio em inglês, uma boa opção de enquadramento para o Instagram – e pouco mais.
E, na outra, a disparada dos preços imobiliários tem reduzido a oferta de tabernas ‘castiças’, que têm menos vocação turística e pouca margem para lidar com reajustes.
Para evitar armadilhas turísticas e saborear alguns dos melhores petiscos e histórias da cidade, confira uma seleção de casas elaborada a partir de opiniões de críticos locais – e visitadas pelo Brazil Journal.
Ah, e se quiser um chope pequeno para acompanhar, peça uma ‘caña’. Se estiver com sede, vá de ‘double’ (maior) ou até de ‘triple’ (ainda maior). Um ‘vermú’ (vermute) também vai bem, assim como um tinto de verano (vinho com refrigerante de limão) se estiver calor.
CLÁSSICOS
FIDE Cervecería & Marisquería (imagem acima) – Para os que apreciam peixes e frutos do mar frescos e em conserva, este bar é parada obrigatória.
Ali, os comensais enfileiram cañas e devoram de pé mesmo, em volta de um grande balcão, porções como a de ‘boquerones en vinagre’ (anchovas frescas marinadas) ou pinchos (canapés) de bonito del norte (espécie de atum) e fígado de bacalhau.
É para desacreditar que Madrid fica a 300 quilômetros do mar. Foco nos ingredientes e no tempero simples, sem nada a esconder. Calle de Bretón de los Herreros, 17, Chamberí.
Melo’s – Depois de 40 anos servindo croquetas e ‘zapatillas’ (sanduíche de queijo tetilla e presunto lacón) no centro de Madrid, o bar chegou a fechar as portas durante a pandemia, mas foi ressuscitado por três jovens que cresceram frequentando o negócio.
E não é difícil entender por quê. Apesar de sequinha, é visível que a crosta da croqueta faz um trabalho hercúleo para manter um volume generoso de recheio (à base de jamón e bechamel) dentro de si. O negócio é morder rápido para acabar com o sofrimento da coitada. Muito cremosa.
As porções de queijo manchego com marmelada também vão muito bem. Calle del Ave María, 44, Centro (Lavapiés), 28012; Calle Andrés Mellado, 16, Chamberí.
Paradas estratégicas: Nas barbas da Puerta de Sol, praça no centrão da cidade, fica a Casa Labra (imagem acima), que está lá desde 1860. Fique do lado de fora e peça as croquetas ou tajadas (nacos empanados) de bacalhau. Empanamento absurdo e recheio saboroso. Calle de Tetuán, 12, Centro.
Se persistirem os sintomas, o Bar La Ideal fica a 5 minutos a pé, coladinho à Plaza Mayor, e serve um dos bocadillos de calamares (pão tipo francês recheado com anéis de lula empanadas) mais tradicionais da cidade. Peça com maionese. Calle de Botoneras, 4, Centro.
Outra boa pedida centenária é a Bodega de La Ardosa (imagem abaixo), em atividade desde 1892 em Chueca. Como manda o figurino, a tortilla deles começa com sabor e textura de omelete e se transforma em uma cremosa salada de batatas na boca. Calle de Colón, 13, Centro.
Para incursões mais distantes do centro, considere: Os torreznos (torresmos) da Cervecería Alonso. Calle de Gabriel Lobo, 18, Chamartín; Os callos (dobradinha) da Taberna Delfín. Calle de Eugenio Caxes, 12, Usera; Ou os huevos estrellados (ovos estrelados salpicados com trufa negra e servidos sobre cama de batatas fritas) do Astral Café. Camino Viejo de Leganés, 82, Carabanchel.
MAIS CHIQUEZINHOS
Bar H Emblemático – Dos mesmos donos do restaurante Hevia, tradicional casa no refinado bairro de Salamanca, o Emblemático já nasceu engomadinho e lotado. Mas a comida te faz ficar. Recomendado se aventurar entre pinchos, molletes (sanduíches), patatas bravas e, principalmente, mejillones tigre (mexilhão empanado com concha e tudo e molho bechamel). Coma o recheio com colher e depois volte devorando a casquinha. C. de Castelló, 83, Salamanca.
Hermanos Vinagre – Rede de bares descoladinhos que poderia facilmente ter sido gestada em Pinheiros. Ali, brilham os peixes e os frutos do mar em parceria com o escabeche (molho à base de vinagre).
É também um bom lugar para experimentar gilda: piparra (pimenta verde sem más intenções, típica do País Basco), anchova em conserva e azeitona verde espetadas num palito e banhadas em azeite. Calle del Cardenal Cisneros, 26, Chamberí, e mais três endereços.
Paradas estratégicas: Na região do Retiro, com vista para o parque homônimo, permita-se uma ensaladilla (salada de maionese com legumes, ovos, peixe) no Manero (imagem abaixo).
É levemente ácida e os nacos de bonito elevam a pedida. Destaque ainda para a torrada que sustenta o prato, perfeitamente estaladiça sem perder a pegada. Calle de Claudio Coello, 3, Retiro.
As premiadas croquetas da Neotaberna Santerra também valem registro. Calle de Ponzano, 62, Chamberí; E os críticos não se cansam de elogiar a Taberna Recreo, que tem um espetinho de brócolis, kimchi (acelga fermentada coreana) e lima como uma das suas tapas mais hypadas. Calle de Espartinas, 5, Salamanca.
TRADICIONAIS, MAS…
Apesar de referências em certos preparos, algumas casas visitadas agradaram menos.
A Casa Dani, por exemplo, continua sendo parada obrigatória para comer tortilla na região de Salamanca. Além da cremosidade do prato, o dulçor da cebola caramelizada no recheio chega a ser chocante. Mas a decoração genérica e impessoal do salão, algo também visto em outros espaços de renome, como o Las Bravas, não faz jus à tradição da casa e é pouco convidativa. Calle de Ayala, 28B, Salamanca.
Já o Docamar, referência em patatas bravas, te obriga a comer com o despertador do telefone programado.
A casa colocou um aviso na porta a dizer que, caso o restaurante esteja cheio, eles podem te expulsar da mesa após 90 minutos. Em que pese o incômodo, a salsa brava produzida lá tem mais nuance que a da concorrência, com picância, acidez e um fundinho de tomate. Calle de Alcalá, 337, Cuidad Lineal.