Tive a honra de servir como diretor do Banco Central do Brasil (BCB). Quando tomei posse, os diretores não tinham mandato fixo. Portanto, eu podia ser exonerado com um simples ato do Presidente da República. Quando saí, fui um dos primeiros a sair porque o mandato havia acabado (ou seja, àquela altura já não podia ser demitido por um ato unilateral do Presidente. Tenho, portanto, a experiência prática do conceito de autonomia do Banco Central.
É por isso que me alegra assistir ao Congresso Nacional debater a PEC nº 65, de 2023, que, se convertida em matéria constitucional, avançará e ampliará a capacidade institucional do Banco Central do Brasil, tornando-o mais moderno e compatível com as boas práticas de bancos centrais bem-sucedidos no mundo. Proposto pelo Senador Vanderlan Cardoso (PSD/GO), com relatório favorável apresentado pelo Senador Plínio Valério (PSDB/AM) e atualmente em tramitação no Senado, a PEC põe em prática as autonomias administrativa e financeira já conferidas há três anos na Lei Complementar 179 de 2021.
O tripé macroeconômico – taxa de câmbio flutuante, responsabilidade fiscal e metas de inflação – trouxe enormes benefícios para a economia brasileira a partir do final dos anos 1990. Reforçado pelo acúmulo de reservas internacionais na primeira década do Século XXI, o tripé aumentou nossa capacidade de absorver choques externos de maneira mais suave, tanto na atividade econômica quanto na inflação, e possibilitou maior inserção global. O tripé, por sinal, se consolidou ao longo de governos de diferentes orientações. Nesse arcabouço, ao BCB cabe executar duas pernas do tripé: Sistema de Metas e câmbio flutuante.
No mundo, a progressiva adoção do Sistema de Metas foi acompanhada pelo aumento da independência total dos BCs, com inegáveis benefícios para os países que adotaram ambos. Produziram, por exemplo, a grande desinflação nos países centrais. O Brasil manteve a inflação controlada desde 1994, mas à custa de uma taxa de juros alta. O arrocho foi, infelizmente, necessário por várias razões. Uma delas é a ausência clara de independência da autoridade monetária. Ao corrigir essa deficiência institucional, a PEC tornará o combate à inflação mais efetivo. O resultado será a redução da necessidade de juros tão altos para manter o controle da inflação.
A experiência internacional demonstra que a autonomia dos BCs não ensejou a aparição de um novo Poder alijado do processo democrático. E não seria diferente no Brasil. O Banco Central continuaria submetido aos Poderes da República tanto na determinação de seus objetivos quanto na indicação e aprovação de seus dirigentes. Aprovada a PEC, o BC se tornaria empresa pública e, portanto, seguiria sob o escrutínio orçamentário do Tribunal de Contas da União, como o são todas as empresas públicas.
A PEC propõe que o Banco Central do Brasil pague suas despesas com suas receitas próprias de arrecadação de taxas, tarifas e receitas de senhoriagem, seguindo a boa prática internacional. O Banco Central Europeu, por exemplo, não solicita recursos fiscais aos países membros. Suas despesas são pagas por receitas próprias e seu lucro é transferido diretamente aos seus donos, os países membros. A proposta brasileira caminha no mesmo sentido. Na mesma linha, a PEC não muda a relação de repasses do Banco Central do Brasil ao Tesouro Nacional, ou seja, eventual lucro auferido pelo BCB será transferido para o Tesouro Nacional com o fim exclusivo de redução da dívida pública.
A PEC é um avanço na solidez institucional da autoridade monetária. A capacidade de cumprir as metas definidas pelos governos democraticamente eleitos não deve depender desses próprios governos. A autoridade monetária independente é o caminho mais seguro para a implantação dos objetivos definidos democraticamente. A autonomia operacional, no sentido de diretores com mandato fixo, o BCB já tem. A PEC completará a construção institucional ao dar independência administrativa e orçamentária, como é a prática internacional bem-sucedida.
Não faltam exemplos para ilustrar o custo social do descontrole monetário, incluído aí o Brasil antes de 1994. Não precisamos, no entanto, ir para o hemisfério norte para achar o modelo bem-sucedido. Basta atravessar os Andes. No Chile, a independência total do Banco Central convive perfeitamente bem com a alternância democrática de poder. Não coincidentemente, a inflação e os juros baixos são sistematicamente mais baixos do que nos vizinhos. Tenho confiança de que o a sociedade brasileira escolherá o caminho da estabilidade e prosperidade, como o fez o Chile.
João Manoel Pinho de Mello foi diretor do Banco Central de 2019 a 2022.