Fumaça na cabine, pouso de barriga, golpes de estado.
Tudo isso faz parte da rota turbulenta enfrentada pelos pilotos que conduziram a Embraer, da criação em um galpão ao lado de uma pista de terra até o pódio mundial dos maiores fabricantes de aviões comerciais, abaixo só da Boeing e da Airbus.
Agora, a façanha dos três founding fathers da empresa é contada pelo jornalista Rui Gonçalves Barbosa, com sabor de aventura, no livro Saga: do 14-Bis à criação da Embraer (304 páginas, Invoz), que acaba de ser lançado.
Embora tenha o patrocínio de recursos fiscais da Embraer, o autor não poupa os figurões militares que tentaram interferir (e mesmo sabotar), ao longo da história recente, o Centro Técnico de Aeronáutica (CTA) e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), berços da empresa.
O primeiro e mais antigo dos criadores é o piloto cearense Casimiro Montenegro (1904- 2000), criador do ITA e do CTA. Teve que enfrentar ninguém menos que o Brigadeiro Eduardo Gomes, um ícone das Forças Armadas brasileiras. Depois, nos anos de chumbo, trombou com o temível coronel Burnier, implicado nos desaparecimentos de Rubens Paiva, Stuart Angel e Anísio Teixeira.
O então coronel considerava Montenegro subversivo por ter convidado Oscar Niemeyer, um notório comunista, para projetar a arquitetura do ITA. Burnier não sossegou enquanto Montenegro não foi afastado.
Para seu lugar foi convidado o brigadeiro Paulo Victor da Silva. Incendiário na revolta militar dos anos 50 de Jacareacanga, contra o governo de Juscelino Kubitschek, acabou por transformar-se em bombeiro, para afastar as tentativas de interferência dos colegas de farda no ITA e no CTA.
Naqueles anos, o cérebro que iniciaria a Embraer, Ozires Silva, mantinha-se longe da política nacional. Voava pela Amazônia pilotando o Catalina, um hidroavião lento e pesado, apelidado de “pata-choca”, e realizava outro sonho: conhecer o Brasil.
Ainda adolescente, no final da Segunda Guerra, a conversa com os amigos na pracinha e na sorveteria de Bauru, onde Ozires nasceu e cresceu, era sobre as proezas dos Stukas e Messerchmitts nos céus da Europa.
Filho de um funcionário da empresa elétrica paulista, Ozires foi um aviador precoce. Tirou seu brevê com menos de 16 anos.
Em 1962, atingiu outro objetivo: formou-se em Engenharia Aeronáutica no ITA e aproximou-se mais da ideia de produzir o avião brasileiro.
Nada o deteve até conseguir realizar seu sonho. Numa demonstração em Brasília, para desespero da segurança presidencial, Ozires convidou o general Costa e Silva para dar umas voltinhas (arriscadas) no protótipo do Bandeirante, ainda não aprovado pelas autoridades aeronáuticas.
Assim tentava conseguir a simpatia do presidente para a aprovação de seu projeto. Na volta para São Paulo, porém, já sem o presidente a bordo, a cabine do avião se encheu de fumaça. Por sorte, o mecânico da equipe identificou a fonte do problema. Ozires, no comando, desligou os motores e pousou em Uberlândia.
Em outra exibição, o protótipo do Bandeirante, então chamado IPD-6504, viajou para Campo Grande, onde o público se extasiava com as manobras do avião nacional. Empolgado com o sucesso, Ozires esqueceu de um pequeno detalhe na hora de pousar: baixar o trem de aterrissagem.
Fez o chamado pouso de barriga, danificando hélices e fuselagem. Poderia ter significado o fracasso do projeto não fosse a persistência do piloto, que conseguiu consertá-lo em menos de 24 horas para seguir viagem.
Mesmo sem a simpatia de Delfim Netto, então o czar da economia, o decreto-lei para criação da Empresa Brasileira de Aeronáutica saiu em agosto de 1969.
No ano seguinte, a Embraer já funcionava, e desde então voa cada vez mais alto. Hoje, numa economia brasileira cada vez mais dependente de commodities minerais e agrícolas, um único produto calcado em inteligência brilha no topo da pauta das exportações brasileiras: os aviões de São José dos Campos.