“Se eu me esforcei e consegui, não vejo necessidade de colher de chá”. 

Por muitas vezes, em fóruns privados e públicos, presenciei dizeres ou atitudes de mulheres poderosas reforçando esse argumento e menosprezando a necessidade de sororidade e de medidas para permitir um caminho menos hostil ao avanço de outras mulheres no mercado de trabalho.

Fala-se muito, privadamente, que “as mulheres não se ajudam.” Mito ou realidade? Seria uma resistência em constatar seus próprios privilégios, super-habilidades, ou um descomunal esforço para conquistar seu lugar ao sol – ou ainda um desejo subliminar de permanecer única?

Seja qual for o caso, histórias de personalidades como Jean Dominique Bauby, Frida Kahlo e Stephen Hawking, guardadas suas particularidades, trazem lições importantes que poderíamos aproveitar no universo feminino.

Jean Dominique era editor da revista Elle – a renomada publicação de moda – quando teve um ataque cardíaco que o fez ficar em coma. Como consequência, desenvolveu síndrome do confinamento e perdeu totalmente sua força muscular, ainda que mantendo 100% de suas faculdades mentais.

Com determinação, resiliência e perseverança sobrenaturais, conseguiu escrever um livro. O movimento das pálpebras e a ajuda de uma pessoa para recitar o alfabeto possibilitaram que ele “escrevesse com os olhos”.

Jean selecionava letra por letra com o piscar, até formar palavras, parágrafos e, por fim, o livro. Morreu dois dias após o lançamento.

Frida Kahlo, que por algum motivo teve quase que apagada de sua biografia o reconhecimento de suas deficiências físicas – provenientes de uma poliomielite aos 6 anos e um acidente de ônibus aos 18 – também superou as dificuldades motoras e psicológicas do bullying que sofria e, através de sua infinita criatividade e ousadia, deixou-nos um vasto legado nas artes plásticas, literatura e até na moda.

Frida era atrevida para sua época. A originalidade do seu vestir – sempre muito colorido, estampado e de modelagem particular – foi uma forma que encontrou para conviver com suas cicatrizes. Assumiu-se bissexual. Retratou em suas obras o aborto e o feminicídio. Ao expor suas tantas vulnerabilidades, incluindo a frustração de não ter sido mãe, solidificou-se como ícone da força feminina.

Já Stephen Hawking, um dos maiores físicos desde Einstein, não teve sua produção científica freada por suas limitações motoras, derivadas da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA).

Em determinado momento do avanço da doença, foram os sutis movimentos de suas bochechas, “lidos” por uma tecnologia, que permitiram sua contínua comunicação, incluindo discursos, entrevistas e a propagação de sua genialidade e superação.

Hawking não queria que seus conhecimentos fossem exclusividade de uma elite científica; teve a ambição de massificar, por meio de uma linguagem de fácil entendimento, suas complexas teorias a respeito da origem do universo.

Já li entrevistas de mulheres bem-sucedidas que criticam práticas em prol da aceleração da diversidade de gênero com o contraponto da meritocracia – sem reconhecer que elas mesmas tiveram que fazer cinco gols antes de começar o jogo para chegar onde chegaram, como diria minha amiga Daniella Marques, ex-presidente da Caixa.

Então, constatemos estatisticamente: quantas pessoas com síndrome do confinamento, portadores de ELA ou PCD em geral conseguem chegar lá?

Seria sensato pegar o recorte de Dominique, Frida e Hawking para desqualificar a necessidade de facilitadores para essas pessoas prosperarem profissionalmente, conhecendo suas dificuldades?

Mulheres de sucesso em suas carreiras não podem se curvar à falsa dicotomia “diversidade versus meritocracia.”

Afinal, quantas de nós chegamos lá? Somos 51% da população, 58% das graduações em nível superior, entramos na mesma proporção no mercado de trabalho, mas perdemos bruscamente representatividade do nível de gerência para cima, e menos de 10% dos CEO são mulheres.

O campo de competição é desnivelado entre homens e mulheres. Nossa carga é alta (muitas vezes, exaustiva), mas reforço nossa responsabilidade em contribuir para um ambiente de trabalho mais justo.

Lembremo-nos do alerta de Madeleine Albright, a primeira mulher Secretária de Estado dos EUA, que nos deixou ano passado: “Existe um lugar especial no inferno para mulheres que não ajudam outras mulheres”.

Carolina Ragazzi é cofundadora do movimento Mulheres do Mercado.