Às vésperas de completar 30 anos, o Plano Real foi defendido logo no nascedouro por um dos maiores economistas brasileiros que, ainda nos anos 70, já demonstrava preocupação com a inflação crescente e a indexação da economia.

Mais ainda: uma década antes do Real, Mario Henrique Simonsen já apoiava a tese de desindexação de Persio Arida e André Lara Resende, que era o pilar central do plano.

Matemático refinado, arquiteto de grandes projetos, engenheiro, economista e professor por vocação, Simonsen foi o primeiro expoente do governo militar a mencionar o processo de realimentação da inflação, causado pela indexação introduzida pelo próprio regime em 1964. 

“Apesar da ortodoxia, o Simonsen pensava na formação keynesiana dentro da equação de preços: demanda, choques autônomos e a realimentação. Eu comecei a pensar na teoria inercial da inflação com ele,” me disse o economista Francisco Lopes em seu apartamento em Copacabana. “O Roberto Campos dizia que o Simonsen nunca foi um liberal ou um monetarista como ele e o Eugênio Gudin, e era mais um keynesiano, modestamente intervencionista.” 

Lopes conheceu Simonsen na adolescência. Aos 19 anos, levou seu pai – Lucas Lopes, um dos grandes artífices do desenvolvimento no governo Juscelino Kubitschek (1956-1961) – e o próprio Simonsen até a estação de trem, no Rio, dirigindo o carro de sua mãe. Eles iam para São Paulo por conta da Consultec, a primeira empresa de projetos do Brasil, da qual fazia parte também Roberto Campos. 

Mais tarde, Lopes seria estagiário da Consultec e teria um grande convívio na academia com Simonsen, que fundou em 1965 a pós-graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas, a tradicional FGV EPGE, a primeira do Brasil – antecedida, quatro anos antes, pelo Centro de Aperfeiçoamento de Economistas. 

À época, Simonsen tinha 30 anos. Ele deu uma contribuição decisiva para a redação do PAEG – o Plano de Ação Econômica do Governo, criado por Roberto Campos, então ministro do Planejamento do primeiro governo militar. Mais tarde, Simonsen foi ministro da Fazenda de Geisel (1974-1978) e por seis meses ministro do Planejamento de Figueiredo (1979-1985). 

Em um artigo publicado em novembro de 1984 pela revista Conjuntura Econômica, Simonsen propôs criar a UMB, a Unidade Monetária Brasileira. 

Em seu estilo criativo e muitas vezes ferino, Simonsen resumiu ali a ideia de combater a inflação por meio heterodoxo, em vez de insistir nos choques monetários defendidos por Octavio Gouvêa de Bulhões, o ministro da Fazenda de Castello Branco (1964-1967), que se baseava na teoria quantitativa da moeda. 

“A ideia central do projeto, a da desindexação pela própria indexação da moeda, parece mais pertinente a um libreto de ópera wagneriana do que a uma proposta de teoria econômica,” Simonsen escreveu no artigo acadêmico. “Sem dúvida, a ideia da criação da UMB deve ser objeto de muita discussão e meditação.” 

Nos parágrafos seguintes, Simonsen dá seu aval à proposta em gestação pelos economistas André Lara Resende e Persio Arida. Ainda corria o ano de 1984 – dez anos antes do Real.

Simonsen sabia que o processo de desindexação – em contraponto ao arrocho monetário que causaria uma recessão elevada e o aumento exponencial da taxa de desemprego – era anátema à ordem econômica vigente, que insistia em um gradualismo para frear a inflação. Mas aquele modelo já havia fracassado nos anos 80 e levou o país à beira da hiperinflação, desorganizando o processo produtivo. 

“Pelos padrões internacionais, o passo errado é o do sistema brasileiro, que gerou formidável inflação inercial, e que a política monetária combate com eficiência igual à dos soldados americanos na guerra do Vietnã. O Brasil precisa acertar o passo, e a ideia da UMB talvez forneça o mapa da mina,” Simonsen escreveu na revista.

De fato, dez anos depois seria criada a URV (Unidade Real de Valor), definida de forma precisa pelo advogado José Luiz Bulhões Pedreira (1925-2006): “moeda de curso legal sem poder liberatório.” 

Eram sete palavras mágicas que descreviam o DNA da URV, que foi convertida para o real em 1º de julho de 1994, finalmente quebrando a inércia da inflação brasileira.

“A inflação não volta,” Simonsen proclamou no início de fevereiro de 1996 durante um longo depoimento ao Jornal do Brasil. “Tradicionalmente, o Brasil achava que o político desejava inflação. A eleição de Fernando Henrique deixou claro o seguinte: ele foi um político que não quis a inflação, fez o Plano Real e virou presidente”.

No livro Conversas com Economistas Brasileiros (Editora 34, 1995), Simonsen dizia estar convencido desde o Governo Geisel de que uma terapia apenas ortodoxa, inspirada pelo FMI, não liquidaria a inflação. 

Por ocasião da preparação do Plano Real, ainda em 1993, foi figura de destaque nos debates que precederam e sucederam o programa de estabilização. Era próximo da equipe de economistas da PUC-Rio, a quem chamava, carinhosamente, de “EPGE do B”.

O economista Daniel Valente Dantas, considerado o melhor aluno de Simonsen na EPGE, ressalta a pluralidade no pensamento do seu mestre, que quebrou dogmas e rompeu com o padrão clássico da economia.

“O mais importante dos seus ensinamentos era tratar a economia como ciência. Ensinou a observar, a medir e a não deixar as preferências, as conveniências, ideologias ou crenças ocuparem o espaço da observação. Não confundir conhecimento com crença, axiomas com dogmas; contudo, ao mesmo tempo, era implacável e rigoroso na única evangelização que suas aulas continham, que eram os limites do conhecimento.”

Coriolano Gatto é jornalista.