LONDRES — Meu final de março de 2020 era assim:
Dia 27, show do Carlos Santana e sua banda, no The O2, seguido de jantar no Novikov Asian, que topou ficar aberto até mais tarde para receber o fabuloso guitarrista.
Dia 28, jantar na minha casa em Belgravia em homenagem a Gal Costa, que chegaria em Londres para o seu show no dia 30.
Dia 29, show do Nile Rodgers + Chic, no Royal Albert Hall, em prol do Teenage Cancer Trust.
E dia 30, show da Gal Costa, no Barbican Centre.
O que aconteceu: o show do Santana foi cancelado e o Novikov Asian fechou sem data de reabertura prevista. A excursão da Gal na Europa foi adiada, o show do Barbican transferido, e o jantar na minha casa ficou para uma próxima vez. Enquanto isso, os casais Letícia e Dedé Laurentino e Ana e Hermeti Balarin, que eram figuras obrigatórias nesse jantar, aguardam uma nova data, trancados dentro de suas casas. O show do Nile Rodgers + Chic, no Royal Albert, também foi cancelado, prova de que o Coronavírus 19 está assustando até o câncer.
Pulando para o mês de abril de 2020: no dia primeiro, e não é mentira, um casal de amigos cariocas vinha para Londres, e me pediu pra jantar no Annabel’s. Reservaram passagens, hotel e eu, a mesa no Annabel’s, mas poucos dias antes, me avisaram que não vinham mais por causa do pânico de não poderem voltar pro Brasil, e eu avisei a eles que a mesa reservada com antecedência também não existia mais, porque o Annabel’s tinha fechado por tempo indeterminado.
Dia 2 de abril, aproveitando o break das escolas, eu, minha mulher e meus filhos íamos para o Brasil. Eles para encontrar os amigos e eu para assinar alguns documentos e gravar o “Provocações” da TV Cultura, que eu tinha gravado em 2001 com o Antônio Abujamra e gravaria agora com o Marcelo Tas. Devido às informações que tivemos de que a barra do Coronavírus ia pesar ainda mais no Brasil entre 8 e 28 de abril, decidimos não ir mais. Os encontros com os amigos serão online, os documentos assinados por procurador, e o “Provocações” periga ser gravado remotamente. (O Tas é pioneiro e mestre nisso.)
Ainda nesse primeiro semestre de 2020, na segunda semana de maio, íamos para a Côte d’Azur, na França, e na última semana de maio íamos para Istambul, na Turquia. Nossos programas eram o Festival de Cinema de Cannes e a final da Champions League. Os dois devidamente cancelados. Agora estamos atrás de recuperar as passagens e os hotéis pagos antecipadamente.
Comentei esses momentos de prazer cancelados para comentar o que nos espera daqui pra frente.
Como tenho experiência nesse negócio de ficar confinado, posso dizer que espertamente tenho me comportado de um jeito parecido com o que me comportei entre 11 de dezembro de 2001 e 2 de fevereiro de 2002. Com o respeito e as precauções que a situação exige, mas sem medo, porque o medo baixa a imunidade.
Acrescentei também, para os dias de hoje, algumas coisas que me parecem fundamentais dentro da relativa liberdade que vivemos agora: tenho acompanhado as aulas online dos meus filhos e aprendido muito com elas. Tenho assistido documentários sobre grandes figuras da música, como Frank Sinatra, Quincy Jones, Miles Davis, Bob Marley e Nina Simone.
Tenho escrito coisas que eu não sei se vão servir para alguma coisa, algum dia, mas isso pouco importa. E tenho caminhado muito nos parques londrinos. Caminhar neste sol de primavera e fotografia não é proibido e faz bem para a saúde física e mental. Hoje mesmo, durante a minha caminhada, olhando a grama e pensando em futebol, cheguei à conclusão de que o Jair Furacão de 1970 era bem mais craque do que esse Jair Furacão dos dias de hoje.
Já a respeito da economia, tudo que posso dizer é que 2020 já pode ser considerado um ano perdido. Quem disser algo diferente está apenas querendo fantasiar a realidade, ou criar algum benefício próprio que eu não consigo imaginar qual seja.
Quanto ao negócio da publicidade, que já ia mal no mundo inteiro e pior ainda no Brasil, onde estava tentando se reinventar, agora vai ter que se reinventar ainda mais. Vai ter que se ‘re-reinventar’. Algo difícil, quase impossível, mas oportunidades sempre existem.
Segundo os chineses (não vale pensar no vírus), crise é sinônimo de oportunidade.
Tenho aqui em Londres um casal de vizinhos que exemplificam bem isso. Ele austríaco, herdeiro da bilionária família dona da grife Escada. Ela inglesa, sobrinha de um ganhador do Prêmio Nobel. Os dois são alucinados por cachorros e criaram anos atrás uma marca de alimento canino chamada Rockster – Life Enhancing Superfood. Essa marca promete que os cachorros alimentados com ela vivam no mínimo 10 anos a mais do que os cachorros alimentados com Purinas ou Royal Canins. Isso significa, em números de vida de cachorro, no melhor dos sentidos, uns 70 anos a mais.
Esta semana, com a devida distância social de um metro e meio que fomos recomendados pelo ministro Boris a guardar, nossa vizinha nos contou que depois da Covid-19, eles estão vendendo mais do que nunca. Bilionários da Europa inteira estão se estocando de Rockster, com medo de que seus auaus de luxo fiquem sem suas iguarias durante os meses da crise.
Ouvindo a vizinha lembrei das canções do Eduardo Dussek, “Fim do Mundo” e “Rock da Cachorra”, que começa com o verso: “Troque seu cachorro por uma criança pobre.”
Washington Olivetto é um publicitário esperançoso confinado em Londres. Esse artigo publicado foi originalmente pelo Clube de Criação de São Paulo.