Muito se escreveu a respeito de arte e guerra: os artistas que foram forçados a lutar, os que se eximiram de suas obrigações, os que retrataram os horrores do front e os que foram comissionados a glorificar a luta na forma de propaganda oficial.

Até o século XVII, a arte retratava a guerra de forma gloriosa e heróica. Aos poucos, com a ampliação da tecnologia bélica, a visão dos artistas sobre a nobreza do conflito foi mudando. A resistência artística se tornou a defesa da cultura local e da liberdade individual.

Matisse e Picasso atravessaram duas guerras mundiais e a Guerra Civil Espanhola sem pegar em armas. Em 1937, Picasso pintou “Guernica”, considerado o maior manifesto contra a violência do século XX. Em contraste, foi durante os anos críticos da Segunda Guerra que Matisse criou suas obras mais inventivas e alegres, incluindo os cut-outs e a série Jazz.

Não há resposta simples sobre se a arte deve continuar perseverante e alheia ao horror, ou se ela tem a obrigação moral de pegar suas próprias armas – pincel, lápis, violão – e compor algo que conscientize sobre o sofrimento, e assim possa causar algum ponto de inflexão na História.

Durante uma guerra de grandes proporções, como age quem não está na zona do conflito?  O holandês renascentista Pieter Bruegel pintou uma obra icônica intitulada “A queda de Ícaro” (1560), que você pode ver na foto acima.

Nela, o afogamento de Ícaro está retratado num canto da tela de forma quase imperceptível – o foco da pintura é a cena de pessoas comuns desempenhando seus afazeres rotineiros e o barco passando enquanto a tragédia acontece.

Sobre essa tela, WH Auden fez um poema: “About suffering they were never wrong, / The Old Masters: how well they understood / Its human position; how it takes place / While someone / else is eating or opening a window or just walking dully along.”

Nos dias de hoje, quem de nós não sentiu algum grau de remorso por estar tocando a rotina enquanto milhões vivem sob o terror dos tanques?

A invasão da Ucrânia – diferentemente da Primeira e Segunda guerras – é acompanhada pelo celular: a explosão de uma maternidade, o ataque a civis em corredores humanitários de fuga – atrocidades que dispensam mediação de jornalistas ou historiadores – acontecem ao vivo, diante dos olhos de milhões.

A indiferença e a limitação do sentimento talvez sejam meios de seguir em frente e manter a esperança por dias melhores.

O artista espanhol Francisco de Goya pensava diferente. “Los Desastres de la Guerra” é uma série de 82 desenhos, realizada entre 1810 e 1815, que retrata brutalmente a resistência espanhola à invasão napoleônica.

A ideia de Goya era mostrar com crueza o horror, para incutir a dor e o sofrimento na consciência coletiva de forma que aquilo jamais se repetisse. Os desenhos são perturbadores e influenciaram artistas como Francis Bacon e Hemingway (que escreveu “Por quem os sinos dobram” sobre a Guerra Civil Espanhola) – mas não impediram as guerras, como ele desejava.

Há sempre uma justificativa para a guerra, por mais torpe que possa ser. O resultado é sempre destruição e trauma. Como escreveu Valter Hugo Mãe, em seu livro Desumanização, “O inferno não são os outros, pequena Halla. Eles são o paraíso, porque um homem sozinho é apenas um animal. A humanidade começa nos que te rodeiam, e não exatamente em ti.”