A saga de uma das pinturas mais emblemáticas do século 20 está sendo recontada pelo MoMA.

Pequena, mas espetacular, Matisse: The Red Studio – que fica em cartaz até setembro – é toda centrada no quadro de mesmo nome exposto há 73 anos no museu novaiorquino.

A curadoria reuniu, pela primeira vez, todas as obras que estavam no estúdio de Matisse e ficaram eternizadas na pintura Red Studio. (A SMK – National Gallery of Denmark, de Copenhague, é dona de várias dessas obras e colaborou com a curadoria.)

“O quadro é extremamente literal ao retratar o local de trabalho e os objetos do entorno, mas ao mesmo tempo é um universo imaginário,” a curadora do Moma, Ann Temkin, diz no catálogo da exposição. “A arte de Matisse é uma arte filosófica – o que é arte e o que é a chamada vida real? Ele se ocupou dessa ambiguidade durante toda sua vida.”

No começo dos 1900, Matisse vivia com sua família em um espaço comunitário no antigo convento Sacre-Coeur, na Rive Gauche, em Paris. Além de morar e trabalhar ali, o artista dava aulas e convivia com estudantes e intelectuais residentes, como Auguste Rodin e Rainer Maria Rilke – até o dia em que a Prefeitura de Paris retomou a propriedade e despejou todo mundo.

[Curiosidade: Rodin tinha muitas obras naquele espaço e, para doá-las ao Estado, impôs que o lugar fosse transformado em museu – assim nasceu o Museu Rodin de Paris.]

Sem dinheiro, nem casa, nem ateliê, a vida da família Matisse atravessou uma fase crítica – até que o pintor francês conheceu o magnata de tecidos russo Sergei Shchukin. O fortalecimento do vínculo entre Shchukin e Matisse não só alterou a vida do artista como o curso da história da arte moderna.

Shchukin foi um colecionador e patrono como nenhum outro (considerado maior que os Morozov, donos da coleção recentemente exposta na Fundação Louis Vuitton.

De 1908 até 1914, as obras mais importantes de Matisse iam direto para Moscou. Em 1909, Shchukin encomendou grandes painéis para decorar sua mansão em Moscou – as famosas obras Dance e Music (hoje no Hermitage russo). O tamanho das obras, as cores e a pincelada solta escandalizaram os meios artísticos de Paris e Moscou. Nos cinco anos subsequentes, o apoio moral e financeiro de Shchukin foram fundamentais para a carreira de Matisse.

Graças ao dinheiro recebido pelos painéis comissionados, aos 39 anos Matisse pôde alugar uma casa confortável para sua família e construir um belo estúdio em Issy-les-Moulineaux, perto de Paris. Fora do agito da cena parisiense e com segurança financeira, ele passou a realmente ousar em suas criações. O espaço de criação é importante para qualquer artista – mais ainda para Matisse, que gostava de retratar interiores.

Matisse terminou de pintar o Red Studio em dezembro de 1911. Ofereceu imediatamente ao patrono dizendo: “O quadro é surpreendente no começo. É obviamente uma novidade.”

Até então a adesão de Shchukin havia sido incondicional, mas a novidade foi demais para o colecionador russo, que declinou da oferta. O quadro foi enviado para a Feira Pós-Impressionista, em Londres, em 1912, e depois para o Armory Show, em 1913, em New York – tendo sido chamado de charlatão pelos jornais e críticos. Obviamente, não foi vendido.

Depois de uma década de rejeição, o quadro foi finalmente comprado em 1927 por um aristocrata inglês para decorar sua boate, o Gargoyle Club. Por quase 15 anos, a elite e os boêmios londrinos beberam e dançaram entre espelhos e a obra-prima de Matisse.

Quando a boate fechou, o quadro foi colocado de volta no mercado. O diretor artístico do MoMA, Alfred Barr, e alguns conselheiros souberam da notícia e se empenharam para comprá-lo. Foram mais de três anos de tentativas e debates – Barr considerava a produção em Issy-les-Moulineaux o período mais relevante da carreira de Matisse, e a pintura vermelha do estúdio a mais importante de todas (e uma das poucas daquele período fora da Rússia).

Melhor exemplo de uma obra à frente de seu tempo, Red Studio foi comprada em 1949 pelo MoMA, e é considerada um dos masterpieces do século XX.

“Quando as pessoas olhavam para o Red Studio em 1911 ou 1920, ou mesmo 1930, viam um retângulo vermelho com esses pequenos pontos de cor nele, e simplesmente não conseguiam decifrá-lo. Mas então os artistas passaram a fazer coisas ainda mais radicais do que isso, sem referências a nenhum objeto. A pintura de Matisse de alguma forma tornou-se compreensível como o ancestral dessa nova arte abstrata (…) e renasceu através dos olhos de artistas como Mark Rothko e Ellsworth Kelly,” escreveu Temkin.

Algumas coisas só se tornam visíveis com o tempo. Talvez nem o próprio Matisse tenha compreendido a dimensão do que realizou em vida.