A mudança de governo da Argentina pode beneficiar pelo menos duas empresas brasileiras listadas na Bolsa: a Raízen e a Unipar, que têm operações no país vizinho e não têm conseguido retirar dinheiro de lá há pelo menos três anos.

A Raízen entrou na Argentina em 2018, no pior timing possível. A companhia pagou US$ 950 milhões pela operação da Shell no País, o que inclui mais de 1.200 postos e uma refinaria que atende essa rede de distribuição. 

Pouco depois, a Argentina começou a entrar numa espiral da morte, com inflação e juros crescentes, e impôs um controle de capitais, basicamente impedindo a retirada do caixa gerado pelo negócio no país. 

A operação da Argentina é pequena para o tamanho da Raízen: gera um EBITDA de US$ 200-350 milhões por ano, em comparação ao EBITDA de R$ 13,5 bilhões que a Raízen deve fazer este ano, considerando o low end de seu guidance. 

Mas uma mudança no ambiente político do país poderia destravar valor para a operação além de “descongelar” os recursos, que poderiam ser usados para fortalecer o capex da companhia.

Apesar da incerteza do país, e do controle de capitais, os analistas que cobrem a empresa não vinham marcando o ativo a zero — mas aplicavam um desconto de múltiplo em relação à operação brasileira. 

Esse desconto não era tão grande porque a operação argentina tem uma margem muito maior que a brasileira. Isso acontece por dois motivos: ela é verticalizada, dada a operação da refinaria; e a competição é mais racional na Argentina, já que não existem os postos bandeira branca dada a dinâmica do mercado, em que todas as distribuidoras têm sua própria refinaria. 

Para se ter uma ideia, a margem da operação argentina foi de R$ 261 por metro cúbico no primeiro semestre fiscal — que vai de abril a setembro — em comparação a R$ 130/m³ no Brasil. 

A operação também tem se mantido em níveis saudáveis, apesar do contexto macro. A Raízen tem dito a investidores que tem conseguido, com dificuldade, repassar preços, o que é essencial dada a dinâmica de alta no petróleo e câmbio desfavorável.

“Eles também têm tentado ser mais eficientes por lá, negociando antecipar pagamentos para ter descontos e tomando dívida em peso, que vai diminuindo com a desvalorização cambial já que eles recebem em dólar,” disse um investidor que acompanha a empresa. 

Por enquanto, a operação argentina também não tem tido muito excedente de capital, já que está numa fase de investimentos pesados na refinaria, parte deles mandatórios. 

No primeiro semestre, a Raízen fez um capex de US$ 88 milhões na Argentina, dos quais US$ 60 mi foram para projetos de integridade, manutenção e maximização da qualidade do combustível.

Na Unipar, a situação é semelhante. A companhia tem uma planta no polo petroquimico de Baia Blanca que responde por cerca de 25% de sua capacidade.

Nos últimos três anos, ela também não tem conseguido remeter sua geração de caixa de volta ao Brasil. Hoje, a companhia tem cerca de R$ 500 milhões “presos” na Argentina.

“E o problema é que não tem muito o que fazer com esse dinheiro. Porque se a empresa quer comprar um imóvel, por exemplo, é muito difícil porque o cara que está lá não quer vender porque não quer colocar esse dinheiro no banco, já que ele tem medo de não poder comprar dólar, ou tirar de lá,” disse outro investidor. 

A Unipar tem dito a investidores que, mais do que trazer o capital de volta, a melhora na Argentina pode criar oportunidades importantes de negócio para a companhia. 

“A Argentina tem uma oportunidade de exploração de lítio gigantesca. Se a indústria de lítio se instalar lá, isso geraria uma demanda muito grande para os produtos da Unipar, por exemplo.”

A mudança no governo trouxe um sopro de alívio entre os investidores, com as ações da YPF e de outras empresas argentinas disparando hoje em Nova York. 

Mas a leitura entre empresários e executivos que conhecem o país é que a situação vai demandar muito trabalho — e que antes de melhorar pode ser que ainda piore.

“Acho que ele [o Javier Milei] vai ter que dar um choque muito grande, e isso vai afetar negativamente todos os stakeholders, inclusive as empresas brasileiras que operam lá,” disse um empresário. “Mas ele precisa dar esse remédio amargo. O importante é mudar a mentalidade para um estado eficiente, menor e que não privilegie o rentista.”

Outro executivo disse que acha que ainda é muito cedo para tirar conclusões, e que os movimentos com as ações argentinas são puramente especulativos. 

“Os desafios econômicos lá são enormes e estruturais. Não vai ser algo fácil, do dia para a noite. É normal os investidores se animarem, mas do ponto de vista de negócios tem que ter mais cautela. As coisas são bem complicadas e qualquer mudança não vai ser rápida e vai demandar sacrifícios.”