Vários projetos de lei tramitando no Congresso ameaçam deteriorar os fundamentos do sistema financeiro brasileiro, semeando problemas num dos raros setores que permanecem sólidos em meio à crise.

As medidas afetam a receita, o provisionamento e a carga tributária dos bancos sob o pretexto de combater a pandemia, mas suas consequências nefastas não estão sendo apreciadas com responsabilidade pelo Congresso. 

O PL 1166, do Senador Alvaro Dias, quer limitar o juro do cheque especial e do cartão de crédito em 20% ao ano, além de impedir os bancos de reduzir os limites de crédito que vigoravam em fevereiro.  

Em vez de ampliar o acesso ao crédito, o efeito será o de secar a oferta, na medida em que os bancos vão retirar linhas para proteger seu balanço.

Outro PL — aptamente numerado 911 — propõe anabolizar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de 20% para 50%.

É fácil não simpatizar com os bancos: o custo do dinheiro no Brasil é muito alto, e muita gente não perdoa os lucros bilionários.  Mas os bancos já pagam mais imposto do que qualquer outro setor da economia:  enquanto a alíquota nominal das empresas em geral é de 34%, nos bancos ela é de 45%.

A própria CSLL já foi aumentada em março, de 15% para 20%.

Uma terceira proposta — o PL 675 —  proíbe aos bancos negativar o cliente que parou de pagar o que deve e suspende execuções judiciais cíveis propostas contra consumidores. Como isso era ‘pouco’, o PL faz a medida retroceder a janeiro, dando uma colher de chá até a quem parou de pagar antes mesmo da pandemia acontecer.  (Este afago já foi aprovado na Câmara e no Senado.)

Finalmente, uma quarta proposta impede os bancos de cobrar o que emprestaram a empresas que já estavam em recuperação judicial, além de obrigá-los a liberar as garantias dadas por estes devedores.

A consequência prática deste conjunto de medidas será infectar o sistema bancário com créditos de má qualidade e restringir (em vez de estimular) a concessão de crédito, na medida em que os bancos jogarão ainda mais na defesa, no pequeno campo de manobra que ainda lhes restará.

Dizem que um banco bem administrado é o melhor negócio do mundo, e os brasileiros estão entre os melhores.  Sucessivas crises econômicas ajudaram o Brasil a melhorar sua regulação macroprudencial, produzindo um dos sistemas mais sólidos do mundo.  Mas nenhuma blindagem é imune a um maçarico populista trabalhando 24 horas por dia.

Bancos precisam de duas coisas para funcionar bem: depósitos e capital.  Os depósitos todo mundo sabe de onde vem, mas o capital é menos compreendido. Para cada R$ 100 que o banco empresta, ele precisa ter R$ 11 de capital.  De onde vem esse capital?  Principalmente do próprio lucro dos bancos.  

Hoje, de cada R$ 100 que um banco brasileiro lucra, R$ 45 já vão para o Governo.  Dos R$ 55 que restam, em tempos normais os bancos distribuem cerca de um terço e retêm os outros dois terços para fortalecer sua base de capital.

Mas por que reinvestir num negócio cujo retorno agora é menor que o custo de capital?  No primeiro trimestre, o retorno recorrente sobre o patrimônio do Itaú ficou em 12,8%; o do Bradesco, em 11,7%.  Nos mercados internacionais, se forem levantar uma dívida de longo prazo, os grandes bancos hoje pagariam entre 11% e 12% — em dólar.

Aparentemente, faz semanas que a Febraban tenta explicar aos senadores as implicações das propostas, mas, segundo o relato de Lauro Jardim, o presidente do Senado se recusa a receber o representante da entidade.

Como são absurdas, é improvável que essas ideias se tornem realidade. Os projetos em tramitação estão eivados de inconstitucionalidades e, se aprovados, vão acabar na Justiça.

O problema é o sinal que isso manda aos mercados.

Quando a pandemia acabar, o Brasil —  pessoas físicas e empresas — estará afogado em dívidas.  A única chance de reconstruirmos a economia vai depender do País continuar a ter uma taxa básica de juros baixa. Taxas baixas são produto da confiança, e quem constrói a confiança somos nós mesmos, por meio de nossas instituições.

Um país que fragiliza seus bancos terá que pagar juros mais altos, sufocando a economia e alimentando um ciclo vicioso que este país já viveu algumas vezes.

Hoje, o Brasil já enfrenta três crises:  a sanitária engendrou a econômica, e a crise política envelopa e exponencializa as duas.

Não pecisamos de uma quarta.