Durante o trâmite da Reforma Tributária, uma pergunta praticamente monopolizou o debate: qual será a alíquota?
A resposta é de simplicidade franciscana: ninguém sabe, nem saberá tão cedo.
Embora um ou outro tema tenha sido discutido, sempre sem maior profundidade, o assunto “alíquota” realmente sequestrou a atenção da opinião pública.
Também pudera: a alíquota estimada pela Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária (27,8%) seria a carga sobre o consumo mais elevada do mundo, usurpando o posto que hoje pertence à Hungria (27%).
A partir da divulgação deste número mágico, o esforço político e a pressão social se voltaram para a discussão de quais seriam os impactos da regra X ou Y sobre a alíquota, sempre com o temor de que fosse ultrapassado o percentual cabalístico de 27%, mas com pouquíssima atenção a pontos provavelmente mais relevantes, como a complexidade da transição, o efetivo aumento de carga para vários setores e seu efeito inflacionário, as consequências das extinções de todo tipo de benefício fiscal etc.
Mas a verdade é que a alíquota seguirá sendo um mistério. Aliás, três mistérios, porque ao contrário da crença popular, não existirá UMA alíquota, mas TRÊS: uma federal, outra estadual e outra municipal.
Cada ente federado será livre para fixar sua própria sub-alíquota, e a soma das três é que finalmente permitirá ao contribuinte conhecer sua carga tributária de IVA.
O novo IVA, portanto, será diferente dependendo da localidade da transação – lembrando que a regra agora é a tributação no destino e não mais na origem. Portanto, se uma venda for feita para São Paulo, a alíquota será uma, se para o Rio de Janeiro provavelmente outra e assim por diante. Claro que não deverá haver variações abruptas entre os estados, até porque a reforma impôs uma alíquota única de IVA dentro de cada ente federativo – ao contrário do que acontece com o ICMS hoje.
Ou seja, não será possível que um governador baixe a alíquota de determinada atividade para atrair empresas para o seu estado, sob pena de ter que baixar a própria alíquota padrão, o que, claro, inviabilizaria as contas públicas.
Mas é bastante possível que haja alguma guerra fiscal municipal – como há, aliás, nos EUA, onde é comum que cidadãos de um município façam compras na cidade vizinha, onde a alíquota é alguns pontos mais baixa.
Portanto, a alíquota do IVA será aquela que os entes criarem a partir de 2029, até porque a reforma só começa a valer plenamente para estados e municípios em 2033. A alíquota será aquela necessária para custear as despesas públicas; em última análise, aquela necessária para custear o nosso Contrato Social.
Fiel ao axioma de que para todo problema complexo existe uma solução simples (e geralmente errada), o Congresso criou um “teto” de alíquota: sempre que aquele teto – 26,5% – for atingido, o Executivo Federal ficaria obrigado a remeter ao Legislativo um projeto de lei que reduza as exceções para que a alíquota geral retorne a um patamar aceitável.
De tão inútil, a previsão chega a ser constrangedora. Em primeiro lugar, inexiste sanção alguma em caso de descumprimento da regra. O que acontece se o Executivo não mandar a lei? Nada.
E o que acontece se o Legislativo a engavetar ou rejeitar? Nada.
Pela própria estrutura da Federação, que consagra a independência dos três Poderes, o Legislativo não só não é obrigado a admitir as propostas encaminhadas pelo Executivo, como nenhum ente poderá impor ao outro um teto no IVA. Então suponhamos que a União, um Estado e um Município fixem alíquotas em 10% cada, totalizando 30%. O que vai acontecer?
Nada.
A balela do teto da alíquota foi uma narrativa do Governo, que aproveitou para usar o tema como um argumento ad terrorem a fim de evitar qualquer tratamento diferenciado, por mais razoável e justificado que fosse (vide o caso dos setores de saneamento, transporte aéreo etc).
É verdade que o tema da reforma tributária é árido, mas é uma pena que a discussão tenha fugido para a terra do nunca.
A partir de 2026, quando a transição para o novo modelo se iniciar, provavelmente a ficha vai cair, e aí a sociedade vai entender que falhou ao não se aprofundar no debate, cedendo à tentação de no máximo espiar o PowerPoint oferecido, como cortesia, pela intelligentsia estatal.
É como advertia Groucho Marx: “o problema das consequências é que elas sempre vêm depois”.
Luiz Gustavo Bichara é sócio do Bichara Advogados.