Nota do Editor:  Em março deste ano, Adriano Pires já achava que a estimativa de R$ 100 bilhões para os leilões da cessão onerosa era esticada demais.

 
Num artigo para este site, ele escreveu:  “Se o Governo forçar a barra para levantar R$ 100 bi, isso forçaria concorrentes a se unir para fazer a conta fechar.  Com isso, corremos o risco de repetir o leilão de Libra, onde houve a participação de apenas um consórcio, ou de termos como vencedor alguma estatal chinesa junto com a própria Petrobras. Será o melhor para o Brasil?” 
 
Como Adriano acertou na mosca, o Brazil Journal lhe pediu um nova contribuição: ideias que o Governo poderia adotar para maximizar a concorrência dos leilões.

 
Segue seu novo artigo:

 

 

Era uma vez um País rico em petróleo, mas que não sabia usufruir disso. Um País sentado em bilhões de barris em reservas, mas que não sabia monetizá-las.

Na semana passada, dois leilões de petróleo sob o regime da partilha não saíram exatamente como o País e o Governo esperavam. 

A razão é simples: do ponto de vista dos investidores estratégicos — aqueles que injetam dezenas de bilhões de dólares num projeto com horizonte de 30 anos, e correndo riscos políticos às vezes incalculáveis — a partilha, ainda mais dando preferência à Petrobras, tem se mostrado um modelo antieconômico, que anestesia o chamado espírito animal. 

Antes de entrar nos pormenores, vamos deixar clara a diferença entre a partilha e o regime de concessão, que vigorava antes dele e ao qual o Brasil deveria retornar o mais rápido possível — sob pena de continuar perdendo oportunidades.

É bom lembrar que o petróleo cada vez mais entra em desuso pelos mais diferentes motivos. Por isso, há que se ter pressa em monetizar as reservas do pré-sal.

No regime de concessão, leva o campo a petroleira que faz o maior cheque para o Governo. Tipicamente, o lance mínimo é quase simbólico. É o mercado que avalia o campo, produz concorrência e joga o preço para cima.  

Na partilha, o Governo estabelece um valor fixo (o chamado “bônus de assinatura”). Quem quiser competir tem que pagar aquele valor.  A concorrência acontece não no bônus, e sim no percentual de barris produzidos (descontados os custos) que o investidor está disposto a dividir com a União.

E é aí que começam os problemas.  Sempre com a corda no pescoço, o Governo tem exigido bônus de assinatura (o valor que o investidor paga na frente) muito altos.  É preciso lembrar que o investidor nestes campos ficará sujeito ao risco de diversas mudanças de Governo ao longo da vida do projeto. Uma hora o Brasil é Thatcher; outra hora é mais Maduro.  O valor dos bônus pode ser alto, mas eles deveriam ser parcelados ao longo de anos, alinhando os interesses do Estado com o investidor.

O segundo problema da partilha é a PPSA, a estatal criada para receber a parte da União e que participa do comitê gestor dos campos. 

A razão de ser da PPSA é fiscalizar se o operador do campo não está colocando um sobrecusto para lesar a União. No final do dia, a lei da partilha acabou criando algo similar a uma trading estatal. 

Mas a existência da PPSA aumenta o custo de transação e eleva o risco comercial para o investidor porque, como membro do comitê gestor, a PPSA tem direito a vetar o plano de investimento, o que aumenta a incerteza sem que a PPSA invista um dólar sequer.

Enquanto fazia leilões no regime de concessão, o Brasil ia bem.  A decisão de mudar para a partilha veio em 2010, no Governo Lula, sem critério técnico e somente olhando para um projeto político de poder.

Quando descobriu o pré-sal, o Brasil ficou guloso. Brasília achou que aquilo era a oitava maravilha do mundo, e que dava ao Brasil um poder negocial maior do que tinha até então.  O raciocínio foi: em vez de cobrar do investidor apenas o pedágio de entrada, poderemos cobrar ao longo da vida do projeto.  Este modelo vigora principalmente em países da África e na Venezuela.

A realidade se mostrou mais dura.  O mundo está cheio de projetos que competem por capital, a América Latina oferece um risco político crescente, e cada detalhe na mecânica dos leilões pode alienar investidores.

É hora de acabarmos com a partilha e voltar à concessão. Caso contrário, a profecia dos sindicalistas será cumprida, e o petróleo permanecerá eternamente nosso.

 

Adriano Pires é fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), uma consultoria no setor de energia. Foi superintendente da Agência Nacional do Petróleo (ANP). É economista pela UFRJ e doutor em economia industrial pela Universidade Paris XIII.