O resultado do leilão do ‘Pode Entrar’ — o novo programa habitacional da Prefeitura de São Paulo — pode ajudar as empresas do setor de baixa renda a desalavancar seus balanços, numa época em que a incerteza macroeconômica e os juros altos têm reprimido as vendas.
O maior ganhador do leilão foi a Plano&Plano, que levou 7 mil unidades, que somam um valor geral de vendas (VGV) de R$ 1,3 bilhão.
Na sequência, veio a MRV, que levou 6,3 mil unidades, com um VGV de R$ 1,1 bilhão, seguida pela Direcional, que levou 1,3 mil unidades (VGV de R$ 341 milhões).
A surpresa negativa ficou para a Tenda, que levou apenas 871 unidades, com um VGV de R$ 181 milhões, enquanto o mercado esperava um montante pelo menos 3x maior.
A prefeitura disse hoje que pretende fazer um novo leilão para mais 20 mil unidades, mas que ainda não tem uma previsão de data.
O resultado do leilão é especialmente positivo para a Plano&Plano dado o tamanho do VGV em comparação ao tamanho da empresa.
“Se considerarmos que 100% desse VGV vai ser novo, a Plano&Plano quase dobra de tamanho,” disse Ygor Altero, o analista de real estate da XP. “Por isso, estamos fazendo uma análise mais conservadora, levando em conta que só 50% desse VGV vai ser novo e que o resto vai ser mudança de mix, ela deixar de fazer outros projetos para fazer esse.”
Nas contas da XP, os projetos devem adicionar um net present value (NPV) equivalente a 15,8% do book value da Plano&Plano e a cerca de 2,5% do book value da MRV, Direcional e Tenda.
Para a MRV, os recursos devem ajudar a empresa a reduzir sua alavancagem, que está em níveis elevados, deixando muita gente em dúvida se a empresa não poderia estourar seus covenants.
O grande ponto em discussão é se o dinheiro mantido na escrow account já pode ser considerado um equivalente de caixa, o que reduziria drasticamente a alavancagem das companhias, ou se apenas o down payment de 15% pode entrar nessa conta.
Segundo uma analista do Santander, o International Accounting Standards diz que não.
“Um ativo só pode ser considerado equivalente de caixa se ele puder ser convertido em caixa imediatamente ou se tiver uma maturidade de menos de 90 dias,” escreveu a analista Fanny Oreng. “Dado que o dinheiro na escrow account dos projetos do Pode Entrar só vai ser acessado pelas companhias conforme a construção avançar, o que pode levar até 24 meses para ser concluída, acreditamos que os auditores podem não permitir que as companhias coloquem esses recursos como equivalentes de caixa.”
Caso isso seja possível, no entanto, a alavancagem da MRV (medida pelo múltiplo dívida líquida/PL) cairia de 63% para 34,4%, nas contas da XP. Já a alavancagem da Tenda cairia de 111% para 86%.
Se apenas o down payment de 15% for considerado caixa, a alavancagem da MRV cairia para 57,7% e a da Tenda para 106%.
No pregão de hoje, as ações das empresas do setor responderam de forma mista. A Plano&Plano subiu 5,8%, enquanto Direcional, MRV e Tenda despencaram 3,6%, 6,8% e 15,7%.
Para Ygor, da XP, as ações já haviam subido muito nas últimas semanas, antecipando justamente o resultado do leilão.
Agora, na maior parte delas, muitos investidores estão realizando lucros. A exceção é a Tenda, que realmente teve um resultado que decepcionou o mercado.
“No caso da MRV, além da ação ter performado muito bem nas últimas semanas, está chegando perto da prévia operacional do trimestre, que é quando eles reportam a dinâmica de queima de caixa,” disse o analista.
“Todos os trimestres que eles não tiveram vendas de projetos da Resia, eles queimaram muito caixa. Está faltando sete dias para a prévia, e até agora eles não venderam nada.”