‘When you pay high for the priceless, you’re getting it cheap.’ A frase é de Joseph Duveen, considerado o maior marchand do século XX.

Duveen percebeu que a Europa tinha grandes artistas e os Estados Unidos, muito dinheiro. Com um olhar certeiro tanto para as obras quanto para os clientes, Duveen ajudou a formar as coleções de Henry Clay Frick, J.P. Morgan, Andrew Mellon e John D. Rockefeller.

Para ficar claro: o “marchand des tableaux” não é um galerista nem consultor de arte (uma figura que surgiu mais recentemente). O marchand é um caçador de tesouros, que busca identificar as melhores obras e fases dos artistas, assume o risco de comprá-las e as apresenta ao comprador no momento certo. As obras selecionadas passam por esse crivo único e olhar apurado, em um ritmo lento ditado pela sorte do encontro — não pelo desejo do comprador.

Existem muito mais galeristas e consultores de arte do que marchands. Dado o tamanho do mercado hoje e a sede dos compradores por qualquer obra de determinado artista da moda, possivelmente não veremos novos marchands como os de antigamente.

Paulo Kuczynski

Um dos poucos que resta dedicado a este craft milenar é Paulo Kuczynski, que tem sua carreira revista na exposição A Coleção Imaginária de Paulo Kuczynski, com curadoria de Jacopo Crivelli Visconti (o curador da última Bienal de São Paulo), no Instituto Tomie Ohtake.

A exposição reúne mais de 200 obras de de 39 artistas vendidas por Kuczynski nas últimas cinco décadas, de Eliseu Visconti a Adriana Varejão.

No conjunto das obras, talvez o que mais chame atenção seja a grande parede e a mesa com obras de Alfredo Volpi – o artista central da mostra e da carreira do marchand.

Kuczynski era um jovem estudante de biologia em 1967 quando conheceu Alfredo Volpi, a quem foi pedir a doação de obras para o movimento estudantil.

O encontro – e a influência de amigos – mudou sua trajetória. Kuczynski abandonou a biologia e abraçou as artes plásticas.  Em 1969, começou a comprar quadros diretamente do artista, mas como Volpi pintava pouco e era muito disputado, foi preciso começar a procurar suas obras no mercado. “Dia após dia, de uma indicação a outra, eu buscava os antigos Volpi, das décadas de 20 e 30,” Kuczynski disse ao Brazil Journal enquanto me dava um tour da exposição.

Mas logo cedo, Kuczynski percebeu que passaria muitas vezes pela dor de vender uma obra pela qual se apaixonou e com a qual não tinha condições de ficar. Chegou a torcer para um cliente barganhar demais ou não aceitar o preço pedido para voltar para casa com a obra – como aconteceu com o raro Vaso de Flores, um Volpi das décadas de 40-50 exposto no Tomie Ohtake. (O cliente pagou o preço pedido sem hesitar e a venda foi fechada em minutos.)

“Marchand e colecionador formam uma dupla indissociável: são lados complementares de um mesmo jogo, parceiros movidos pela força de uma única paixão – mesmo quando momentaneamente separados por uma relação comercial,” explica Kuczynski no texto que abre o livro da mostra. Ele se define como “mezzo colecionador, mezzo marchand” – tendo sucumbido à paixão de colecionador inúmeras vezes.

A obra O Impossivel, da escultora Maria Martins, é um feliz exemplo. Das seis edições existentes, Kuczynski conseguiu ter acesso a duas. Uma delas ficou em sua coleção, a outra foi comprada por Alfredo Setúbal.

Quando descobria uma obra – fosse por uma indicação ou durante uma visita à casa de alguém, ou mesmo vendo uma foto em jornal ou revista – Kuczynski insistia para conseguir comprar, às vezes por anos.

Certa vez, sua assistente viu uma foto de um apartamento no Rio de Janeiro na revista Manchete: na parede, um belo Antonio Bandeira. Kuczynski descobriu que a proprietária queria vender e foi vê-lo pessoalmente. Ao verificar que se tratava de uma obra-prima, pediu para pagar imediatamente para poder levar a obra com ele, tamanho era o medo de perder o negócio. No caminho de volta a São Paulo, já sabia para quem apresentar, e fechou o negócio rapidamente.

“Um artista pode pintar todos os dias, mas não é todo dia que ele produz uma obra-prima. E é isso que eu procuro,” me disse Kuczynski.

Como o marchand escolhe e vende obras a determinados compradores, sem um lugar físico para apresentá-las ao grande público, a exposição no Tomie Ohtake é um raro momento não só para se ver tantas obras espetaculares, como para tangibilizar um trabalho de cinco décadas.

“Depois do apogeu, que pode ou não perdurar por alguns anos, vem invariavelmente a repetição e a diluição. Identificar o período áureo de cada artista, resistindo à tentação do comercial, é o desafio do trabalho seletivo do marchand. O olhar impiedoso para com o que não tem qualidade foi o que aprendi com os meus pares de eleição: Antonio Maluf e Jean Boghici,” resumiu Kuczynski em um texto escrito há anos atrás.

Benjamin Steiner e Franco Terranova (da Petite Galerie, no Rio de Janeiro) também foram influências importantes, assim como o psicanalista Theon Spanudis, que confiou sua primorosa coleção para Kuczynski vender nos anos 70, dando início a sua carreira e – mais importante – permitindo que Kuczynski aprendesse com o olhar sensível do psicanalista, capaz de capturar o sublime.

Aquela convivência o influenciou por toda a vida.

“Em todos esses anos, procurei me guiar pela objetividade imanente às obras, mas também pela intuição e por preferências de caráter particular.”

No jantar que Kuczynski ofereceu em sua casa para agradecer aos colecionadores que emprestaram obras para a exposição, boa parte do PIB do País estava à mesa.

Um dos colecionadores disse: “Paulo nunca vendeu uma obra barata, mas os clientes sempre saíam felizes. Um caçador de preciosidades que captura os clientes e os faz reféns, mas os clientes sempre voltam a procurá-lo – quase uma síndrome de Estocolmo.”

A exposição fica em cartaz até 13 de agosto.