Se ganhar dinheiro na Bolsa já tá difícil, imagina com todo mundo querendo te copiar.

Na semana passada, a CVM atendeu o pedido de um grupo de 13 gestoras de recursos e flexibilizou a regra para a divulgação da composição das carteiras dos fundos – mas disse que a decisão é “em caráter experimental.”

Os fundos de ações e previdenciários de ações – que respondem por 5,3% da indústria de fundos – poderão omitir por até 180 dias os ativos em que investem sem a necessidade de pedir autorização prévia à CVM. Atualmente, a composição da carteira pode ficar oculta por 90 dias e, depois desse prazo, o gestor pode solicitar à CVM  a extensão desse período por mais 90 dias.

Os fundos continuarão enviando mensalmente à autarquia o demonstrativo de composição e diversificação de carteira (CDA), mas esse documento só será publicado trimestralmente pela CVM.

As novas regras passam a valer a partir do ano que vem, depois que a CVM concluir ajustes em seus sistemas.

As gestoras Absoluto, Atmos, Bogari, BC, Constellation, Dynamo, Leblon, Opportunity, Sharp, Squadra, Tempo Capital, Velt e Verde levaram à CVM queixas sobre as regras da divulgação de carteira em 2020.

Elas argumentam que as regras atuais facilitam o trabalho de robôs replicadores, que estariam copiando suas carteiras e usando este argumento para atrair investidores.

Daniel Maeda, superintendente de relações com investidores institucionais da CVM, disse ao Brazil Journal que o caso trouxe um tradeoff para a autarquia.

“Nós ficamos entre abrir mão das regras atuais de transparência ou inibir a inovação dos gestores, que investem em equipes e sistemas para montar suas estratégias próprias, que acabam sendo forçadamente democratizadas com o mercado todo”, disse Daniel.  “Esses robôs acabam tirando o incentivo do gestor de desenhar a sua estratégia inovadora, já que ele não tem como proteger o segredo do negócio dele.”

A CVM já identificou que alguns desses robôs cruzam os dados das carteiras, mesmo com o delay atual de 90 dias, com os dados de negócios da B3 e conseguem, de fato, acompanhar quase que pari passu o que os gestores estão fazendo. Isso pode, inclusive, atrapalhar a montagem das estratégias, impulsionando cotações para cima ou para baixo mais rapidamente.

Apesar de avaliar que os gestores “têm um ponto”, Daniel disse que a CVM não está convencida de que o prazo maior para o bloqueio das carteiras será suficiente para atrapalhar a atuação desses robôs. “Em mercados que têm prazos maiores, esses robôs também existem, dado o avanço tecnológico,” disse Daniel.

Em 2020, após as queixas das gestoras, a CVM já havia deixado de exigir a divulgação do valor das posições até os centavos, bem como os valores das posições em cada ação – desde então, os gestores abrem apenas a somatória das posições em todas as ações.

Como isso também não foi suficiente para inibir os robôs, as gestoras decidiram pedir o aumento da defasagem para a divulgação.

Nesse contexto de dúvida, a melhor solução encontrada pela CVM foi lançar mão pela primeira vez do regime regulatório experimental, previsto na Resolução 67, de 2021. “Estamos liberando a maior defasagem das carteiras num período de testes no qual vamos monitorar os impactos da medida no mercado,” disse Daniel. “Se identificarmos que ela não surtiu o efeito desejado, teremos condições de recuar da decisão rapidamente por ser um teste.”

A CVM vai monitorar tanto se a medida vai diminuir a assertividade desses robôs quanto se a menor transparência das carteiras pode afetar o mercado, levando – num caso extremo – a menos recursos para os fundos de ações, por exemplo. A decisão prevê que os cotistas dos fundos poderão ter acesso às informações.

Não há um prazo definido para o período de testes. Se a medida for eficiente, a CVM fará uma alteração regulatória para torná-la permanente.

Logo após a divulgação das novas regras, semana passada, a Teva Índices –  criadora do ETF Guru 11, que replica as carteiras de fundos das grandes gestoras – disse que analisou o impacto dessa alteração no backtest do índice ampliando os parâmetros de leitura das carteiras para seis meses.

Segundo a Teva, no acumulado entre 1 de novembro de 2016 e 1 de novembro de 2022, a nova leitura traz um acréscimo de performance de 5,4%, enquanto a capacidade de replicar as cotas permanece significativamente igual, com 0,98 de correlação com um fund of funds equivalente.

Segundo a Teva, a diversificação de fundos replicados –  atualmente 14 –  e o turnover limitado nas posições mais relevantes explicam o baixo impacto das mudanças.

O superintendente da CVM disse que essa já é uma informação a ser monitorada pela autarquia, mas acredita que esse tipo de ETF, que monta uma carteira a partir de informações defasadas de uma base de gestores, não pode ser comparada à atuação dos robôs, que seriam o verdadeiro problema para os gestores.