Quando criança, o jovem Amaro Freitas queria ser baterista. Frequentador de uma igreja evangélica nos arredores do Recife, sua cidade natal, o menino era simplesmente alucinado pelo rataplã dos tambores e os splashs dos pratos.

Amaro Freitas ok

A bateria, no entanto, era o instrumento mais disputado pelos jovens que tocavam no templo – e havia apenas uma. Foi então que o pai de Amaro surgiu com uma opção salvadora: que tal trocar percussão pelas teclas do piano?

Deu certo.

Amaro Freitas, hoje com 32 anos, não apenas é um dos pianistas mais celebrados do jazz atual – aqui e no exterior, diga-se – como desenvolveu um estilo arrojado, no qual combina o jazz com gêneros regionais, como o frevo, e a sonoridade do Oriente Médio.

Y’Y é o quarto lançamento do instrumentista recifense. O disco foi criado a partir do período em que Amaro passou ao lado da tribo Sateré Mawé, no Amazonas. O título, aliás, significa “água” ou “rio” no dialeto local. Mais do que outro gol em sua discografia, é um manifesto pela preservação da região, há tempos castigada por invasões ilegais, desmatamento e a ação dos garimpeiros.

Amaro está longe de ser considerado um instrumentista convencional. Embora possua um toque característico ao piano e crie melodias delicadas, como se pode perceber na canção Gloriosa – uma homenagem a dona Rosália, mãe do pianista –, o recifense sempre se permite ir além do trivial.

Y’Y, por exemplo, tem um piano preparado (piano comum no qual são jogados objetos como moedas e pregos, que criam uma sonoridade diferenciada) e experimentações que trazem os sons da selva para o ambiente de quem escuta o álbum.

Um desses recursos é o ebow, uma espécie de arco utilizado majoritariamente por guitarristas e que se assemelha ao som do violino. Ele se sobressai na canção Uiara, onde soa como um canto dos botos.

Nas entrevistas que deu para divulgar Y’Y, Amaro diz que John Cage (1912-1992) e Naná Vasconcelos (1944-2016) são as influências mais gritantes do disco. O americano se faz presente nos momentos de experimentação do álbum – vide Dança dos Martelos.

Vasconcelos, que em 1973 lançou um disco chamado Amazonas, se faz presente no momento em que o piano de Amaro ganha contornos percussivos ou na busca pelas sonoridades do sertão – caso de Mar de Cirandeiras e Sonho Ancestral, onde o pianista cita Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira (para quem busca uma explicação, a visão de Nordeste de Gonzaga foi assimilada pela percussão de Naná). Já Encantados é um exercício de improvisação de Amaro, amparado por músicos de alta patente como o baterista Hamid Drake, o flautista Shabaka Hutchings e o baixista Aniel Someillan. 

Com um jazz que foi do frevo à música árabe, de John Cage aos povos nativos, Amaro deixa o ouvinte ansioso pela próxima viagem sonora do instrumentista pernambucano.

***
SOS Gaúcho
Faça uma doação pelo PIX da SOS Rio Grande do Sul.
CNPJ: 92.958.800/0001-38.