A maioria dos adolescentes americanos, integrantes da chamada Geração Z, não sabe ler um texto escrito em letra cursiva.

Mudanças no currículo escolar americano e a alta informatização contribuíram para o desaparecimento do hábito de escrever. Sumiu, na vida cotidiana, o hábito de escrever diários, cartões de aniversário e até bilhetes de amor – todos trocados por mensagens digitais.

Assim, ter contato com originais manuscritos de personagens ilustres da história é um meio de viajar no tempo. Há um encanto em estar fisicamente próximo de um objeto de outra época, que atravessou décadas ou mesmo séculos.

Pedro Correa do LagoApostando nessa viagem mágica, o SESC Avenida Paulista abre na terça-feira a exposição A Magia do Manuscrito, um recorte da monumental coleção de papéis do escritor e editor Pedro Corrêa do Lago, considerada a mais importante deste tipo no mundo.

A mostra do SESC traz mais de 180 documentos manuscritos originais de personalidades mundialmente conhecidas. A coleção foi exibida pela primeira vez em 2018, na Morgan Library, em Nova York, onde atraiu 85 mil visitantes.

De rabiscos de Napoleão a um manuscrito de Simone de Beauvoir, os primeiros parágrafos de No Caminho de Swann, de Proust (com as correções do autor), uma carta profética de Gandhi até Einstein criticando a psicanálise… são registros de momentos históricos ou íntimos, divididos em sete núcleos, conforme a bem pensada montagem de Daniela Thomas e Felipe Tassara.

Pedro Aranha Corrêa do Lago vem de uma família intimamente ligada à cultura do País.

Seu avô materno era o chanceler Oswaldo Aranha, mais conhecido por seu apoio à criação do estado de Israel, e seu avô paterno, o General Manuel Corrêa do Lago, exerceu missões relevantes na França e Bélgica na Primeira Guerra.

Seu pai, Antônio, foi diplomata, o que fez com que Pedro passasse a infância fora do Brasil. Seu irmão Manuel é um musicólogo especializado em Villa-Lobos. Seu outro irmão, André, é o Embaixador do Brasil na Índia, e o mais velho dos quatro, Luiz, escritor de vários livros e doutor em economia por Harvard.

E como que se ainda fosse necessário potencializar a intelectualidade familiar, Pedro se casou com Bia Fonseca, filha do escritor Rubem Fonseca. Bia é jornalista e escritora.

Juntos, Pedro e Bia fundaram a editora Capivara para criar livros ilustrados ligados à nossa história, cultura e natureza. “A Bia é muito mais culta que eu,” Pedro disse ao Brazil Journal.

A coleção começou a se formar 50 anos atrás, com uma paixão da criança por autógrafos. Logo, o pequeno Pedro percebeu que um papel só com uma assinatura não bastava. Ele queria estar perto de momentos históricos ou da intimidade de grandes personalidades. Por isso, passou a buscar papéis cujo conteúdo agregasse à biografia da pessoa ou jogasse nova luz sobre determinado momento histórico.

“Eu não planejei formar a maior coleção do mundo, mas foi acontecendo. Passei a trabalhar com o objetivo de ter recursos para investir na minha coleção,” disse Pedro.  “Eu deveria estar usando uma camisa de força,” brinca, dada a quantidade interminável de papéis reunidos nessas cinco décadas.

Ele calcula que são mais de 60 mil manuscritos, das mais variadas personalidades de cada tempo, desde o século XII. O que faz com que existam várias sub-coleções que se destacam separadamente, como a maior coleção de cartas escritas por mulheres do mundo, a maior coleção de manuscritos de cientistas ganhadores do prêmio Nobel, e a coleção de desenhos de não-desenhistas, como Proust, a Rainha Vitória e Orson Welles, entre outras.

“Existem coleções de manuscritos superiores em alguns temas especializados, mas o diferencial da minha é sua força em muitas áreas”. A crítica especializada destaca a excepcionalidade da coleção pela qualidade dos papéis aliada à amplitude de temas que ela cobre.

Como sua coleção de manuscritos de Proust está entre as mais relevantes do mundo, Pedro também vai lançar em Paris um livro de cartas do autor de Em Busca do Tempo Perdido no começo de outubro, o mês do centenário da morte de Proust.

Perguntado se o colecionismo termina em algum momento, Pedro explica que não. “É como uma Torre de Babel, uma construção infinita, e o colecionador sonha em arranhar o céu”.

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