O mercado de Fiagros — os fundos isentos de imposto de renda focados no agronegócio — saiu do zero para R$ 30 bilhões em menos de três anos, prometendo aos investidores um retorno atrativo com exposição a um dos setores mais prósperos do Brasil. 

O crescimento desenfreado, no entanto, está cobrando seu preço.  

Com mais de 400 recuperações judiciais do agronegócio desde o início do ano, muitos Fiagros estão sofrendo com uma alta inadimplência e tendo que vender ativos a preços módicos para tentar recuperar parte do capital. 

“É isso que acontece quando nossos amigos da Faria Lima, de mocassim sem meia e coletinho, decidem emprestar para os produtores sem conhecer bem do setor,” disse um gestor de crédito que não trabalha com o produto.

Segundo ele, muitos dos gestores de Fiagros nunca haviam emprestado para o agronegócio antes, e alguns sequer tinham experiência com crédito.

Ainda assim, decidiram entrar no mercado porque “esse é um veículo muito interessante para se ter numa gestora,” disse outro gestor. “É um fundo listado, de passivo permanente, que não tem resgate, tem isenção para o investidor e remunera bem a gestão.”

Numa potencial venda da gestora, esses fundos costumam ser precificados a 10x-20x lucro, igual aos FIIs, disse um gestor que opera um Fiagro. “Isso fez muitas casas correrem para esses produtos mesmo sem ter profissionais para isso,” disse ele, acrescentando que é muito difícil encontrar profissionais de gestão que circulem bem na Faria Lima e no campo ao mesmo tempo. 

Outro problema neste mercado é que a captação desses fundos acontece em bloco, com o dinheiro entrando de uma só vez. “E como o investidor desse produto quer renda, o gestor precisa alocar tudo que captou muito rápido para começar a distribuir logo os dividendos.”

Esse incentivo ruim levou alguns Fiagros a emprestar para produtores com um risco alto — que não conseguiam ter acesso ao crédito tradicional (batendo numa agência do Banco do Brasil, por exemplo) — ou a emprestar a taxas muito baixas. 

Um dos Fiagros mais problemáticos hoje é o IAGR11, que viu sua cota sair de R$ 11 no IPO para R$ 3,97 agora.

Gerido pela SFI Investimentos, o IAGR11 tomou calote em cinco CRAs de um portfólio de oito; seu maior devedor — a Fazenda Três Irmãos — entrou em recuperação judicial.  

O fundo — que tem apenas R$ 23 milhões de patrimônio líquido — reduziu sua distribuição de dividendos de uma média de R$ 0,15/mês para R$ 0,037.

Outro Fiagro que vem sofrendo é o GCRA11, gerido pela Galápagos, que viu sua cota cair de R$ 105 no high para R$ 66 hoje.

O GCRA11 também sofreu com o default de três CRAs cujos produtores entraram em recuperação judicial. Dois deles — o CRA Castilhos e o CRA Três Irmãos — são os mesmos detidos pelo IAGR11. O terceiro default foi do CRA Mitre, cujo devedor também entrou em RJ.

Esses CRAs respondem por 28% do PL do fundo.

Na semana passada, a JGP também abordou os problemas do setor num vídeo em suas redes sociais. A gestora — que tem dois Fiagros (o JGPT11 e o JGPX11) com cerca de R$ 400 milhões em PL — disse que teve que dar um waiver a algumas empresas do portfólio.

“Estamos renegociando algumas obrigações contratuais com as empresas, que com as margens diminuídas e alavancagens maiores para um ano de ciclo de baixa não conseguiram cumprir algumas obrigações,” disse Julia Bretz, a responsável pela estratégia de agronegócio e crédito da gestora.

“Não tem a ver com pagamento, com inadimplência,  mas isso [as renegociações] está acontecendo,” disse ela. “Não é uma luz vermelha, mas é o momento de analisar as estratégias do portfólio e entender se a empresa que descumpriu alguma obrigação está com a estratégia correta e se no final do ano ela vai conseguir voltar às obrigações que tinha.”

É verdade que a maioria das operações dos Fiagros foi feita tomando como garantia as terras ou parte da produção — o que em tese protegeria o fundo de perdas. 

O problema, segundo outro gestor, é que, “se você não estruturou bem, se não aperfeiçoou e checou todas as garantias, você pode ter problema na execução.” Ele lembrou ainda que algumas vezes o produtor usa a mesma terra como garantia para várias operações diferentes. 

Outro problema que tem acontecido é que, uma vez na RJ, os produtores estão alegando que a terra é um bem essencial para a continuidade da produção — e pedindo à Justiça para proibir a execução dessas terras.

Na hora de decidir qual lado tomar — o do produtor rural ou o do ‘Faria Limer’ — a decisão tem pendido naturalmente para o lado dos produtores.

“Isso está afetando muito mais os Fiagros porque o passivo desse veículo não tem condições de esperar 3-4 anos para executar a terra,” disse o gestor. “Isso faz com que os gestores achem melhor sair do ativo com desconto, vendendo a preços muito baixos para fundos capazes de esperar esse tempo.”

As RJs no agro têm a ver com uma mudança drástica no cenário do setor, com uma queda no preço das commodities, quebras de safras e uma Selic alta por mais tempo que o esperado.

Paulo Mesquita, da Riza Asset, que tem mais de R$ 1,2 bilhão sob gestão em Fiagros, disse que o grande problema está na produção de soja e milho.

“O custo de produção da última safra foi muito alto, porque o custo de fertilizantes estava lá em cima pela guerra na Ucrânia e os reflexos da pandemia,” disse ele. “Ao mesmo tempo, os preços das commodities caíram bastante, o que deixou a margem dessa safra muito espremida.”

Para piorar, os produtores, principalmente os do Mato Grosso e Goiás, sofreram com quebras de safra por conta dos efeitos do El Niño. 

“O problema é que vínhamos de três anos muito bons, de margens muito altas, e o pessoal fez as projeções achando que essas margens iam se perpetuar,” disse Mesquita.

O RZAG11 (o Fiagro de crédito de Riza) está com zero de inadimplência — segundo Mesquita, porque a gestora só investe em CRAs que ela estrutura e também porque a gestora ficou parada no ano passado, quando o mercado estava “péssimo” para alocar.

Antes da Riza, Mesquita trabalhou 9 anos no mercado de crédito agrícola, em casas como BBM e Itaú BBA. Filho de um produtor de café de Minas, ele vê pelo menos um ponto positivo em toda essa situação. 

“Ela vai filtrar os fundos bons dos ruins, e o mercado vai sair mais saudável depois de tudo isso.”