Alexandre Ache comanda um site e um canal no YouTube sobre cinema, tem quase 1 milhão de seguidores no Facebook e é tão aficcionado por Star Wars que batizou seu filho de Luke Skywalker.
Ele recebe a repórter de camisa preta sem gravata, calça jeans e um tênis prateado. O encontro poderia ser numa produtora de filmes ou agência de publicidade.
Mas é na Faria Lima.
No BTG Pactual.
No banco desde fevereiro, o pai do pequeno padawan faz parte de um time de 60 ‘outsiders’ que tocam o que talvez seja o projeto mais desafiador do BTG (depois de sobreviver à prisão de André Esteves): ampliar sua clientela dos milhares que tem milhões para os milhões que ainda tem só milhares.
Lançado em dezembro, o BTG Pactual Digital veio para competir com as plataformas de investimento que vem se proliferando de olho na tese de ‘desbancarização’ desbravada pela XP Investimentos.
A meta declarada do BTG é morder uma fatia de 10% do varejo de alta renda, um mercado de R$ 750 bilhões em investimentos e 6 milhões de contas; na prática, estima-se que isto engloba de 2 a 3 milhões de pessoas físicas, frequentemente clientes de mais de um banco.
Uma das vantagens práticas do BTG é que, por ser um banco e não apenas uma corretora, seu cliente abre uma conta corrente, em vez da ‘conta investimento’ comum a outras plataformas.
A diferença não é apenas semântica: enquanto o cliente faz um DOC ou TED diretamente para sua conta no BTG, nas corretoras a transferência é feita inicialmente para uma conta geral e, só em seguida, a área operacional envia os recursos para conta do cliente mediante um encontro de CPFs. (Compreendendo esta fragilidade, a própria XP está em processo de se tornar um banco.)
O foco inicial do BTG Digital é em investimentos mas, num segundo momento, a plataforma pode oferecer crédito, pagamentos de contas e outros serviços do ‘varejão’. “É uma possibilidade, mas não estamos pensando nisso agora. Um passo de cada vez”, diz Marcelo Flora, o sócio responsável pelo BTG Digital.
Para cumprir a missão, saem os banqueiros e entram os programadores e publicitários. Na sala comprida, muito menos glamourosa que o trading floor onde ficam os sócios do banco, terno e gravata dão lugar a All-Star e moletom. Em vez de terminais da Bloomberg, telas ligadas no YouTube e em métricas de retorno dos anúncios digitais.
“O BTG sempre se orgulhou de seus cavalos puro-sangue. Mas agora a gente precisa nadar. E pra nadar, precisamos de golfinhos e não de cavalos”, diz Flora.
Antes de comandar o BTG Digital, o executivo respondia pela área de distribuição de fundos do banco, onde começou a notar que a então pouco expressiva XP representava uma fatia cada vez maior do volume. “Pensei: tem um mercado aqui”.
O BTG vem apostando no seu DNA híbrido e na força da marca para se diferenciar na lista cada vez maior de concorrentes, que hoje inclui, além da XP, nomes como Guide, Órama, Genial e Easynvest.
Mas o clash de culturas entre o trading floor e os ‘bichos-grilos’ (nas palavras de um alto executivo do banco) também traz dificuldades. Com uma postura conservadora e sem poder queimar milhões como uma startup, o banco está desbravando aos poucos o novo mercado.
O movimento mais importante para ganhar escala ainda está em gestação: uma plataforma para agentes autônomos – o coração da estratégia da XP, que tem uma rede de centenas de escritórios para distribuir seus produtos.
A plataforma de integração com os agentes deve ficar pronta até dezembro, mas como chegou no fim da festa – ou pelo menos não participou do esquenta – o BTG terá que competir para atrair os escritórios, hoje cobiçados por todas as plataformas.
Em paralelo, o banco está ampliando a oferta de ativos. O app estreou em dezembro com um menu bem mais enxuto que a concorrência: 14 fundos, CDBs e LCAs próprios e de terceiros, além de algumas opções caseiras em previdência privada..
Nos últimos meses, começou a distribuir fundos de outras gestoras, como Adam, ARX e Gávea, numa lista que hoje inclui 40 opções, Certificados de Operações Estruturadas (COEs) e aplicações no Tesouro Direto, sem taxa.
Até o fim do ano, entrarão na lista debêntures de infraestrutura, CRAs, CRIs e – a cereja do bolo – um homebroker, que permitirá a pessoas físicas operar pela corretora do banco, hoje mais focada em investidores institucionais.
O BTG ainda não divulga o número de contas abertas.
Ache, o funcionário aficcionado por Star Wars, foi contratado para criar vídeos e conteúdos que despertem espontaneamente interesse pelo banco, otimizando os custos com publicidade. É uma batalha diária. “Tem muita ideia que bate lá em cima e volta,” diz. “É um trabalho de quebrar o gelo.”
Ele produz conteúdo baseado numa premissa aspiracional: a de que há uma mística em torno do BTG, e que as pessoas querem saber como ele funciona por dentro. Mas, por enquanto, os vídeos no YouTube terão que se contentar com os funcionários ‘comuns’; os sócios do banco, protagonistas do negócio, ainda evitam aparecer.
Alguns ‘puros-sangue’, no entanto, estão aprendendo a nadar. Segundo Flora, os banqueiros competem para trabalhar na plataforma. “Eles não acham um serviço ‘menor’?”, a repórter questiona. “Menor? Acabaram de fechar um negócio de R$ 12 bilhões!” diz em referência à compra da XP pelo Itaú. “Está todo mundo babando pra vir trabalhar aqui”.