Concluímos o follow-on da Omega Geração no final de setembro, após duas semanas conversando com investidores no Brasil e no exterior com perfis bem diversos, de hedge funds a investidores ESG.
Pela primeira vez, identificamos que a maioria daqueles que visitamos concorda com uma tese encarada com ceticismo por alocadores de capital até recentemente: a energia elétrica renovável será a principal fonte de energia elétrica mundial por prazo indefinido – não só por resolver muitos dos desafios ambientais contemporâneos, mas por já ser, em muitos países, a alternativa energética mais barata para os consumidores.
Tenho convicção ao estimar que dos mais de US$ 10 trilhões a serem investidos em geração de energia elétrica até 2050 no mundo, pelo menos 70% serão destinados à energia eólica e solar. No Brasil, a energia renovável é a alternativa que oferece o menor preço para oferta de energia nova ao consumidor há algum tempo (equivalente à metade das tarifas de térmicas a gás no leilão A-6 da última sexta-feira).
Temos o melhor vento continental do mundo na região Nordeste, altíssima incidência solar e uma quantidade ainda abundante de reservatórios hidrelétricos com investimentos já pagos, que são a melhor bateria disponível em termos de custo e disponibilidade.
A redução de custos promovida pelas renováveis é um dos poucos fatores que promoveram aumento da produtividade do país na última década e não há outro lugar no mundo que consiga produzir tanta energia renovável com níveis de produtividade tão altos quanto os nossos, dado que o avanço da tecnologia é global, mas os recursos naturais excepcionais são locais.
As oportunidades são extraordinárias, mas há melhorias a perseguir para que as renováveis sejam um dos propulsores da retomada vigorosa do crescimento do PIB.
Destaco cinco propostas:
1. Reforma tributária
Faz sentido que 40% do valor da energia paga pelo consumidor médio seja composto por impostos e encargos? Não valeria aproveitar a reforma tributária para desonerar a energia? O ministro Guedes tem obsessão por reduzir os encargos trabalhistas sobre a folha e certamente, tem grande aversão à oneração adicional de cadeias de valor, em especial a de insumos que geram efeitos cumulativos nos custos de bens. Apesar das críticas de alguns, não me parece absurdo o emprego de um imposto único sobre transações financeiras para atividades como geração, distribuição e transmissão de energia (talvez um mecanismo também aplicável a dados, conteúdo de internet etc.).
2. Cadeias globais e redução de capex
Outra distorção relevante advém da incidência de impostos para importação de equipamentos e das políticas de conteúdo nacional que limitam fabricantes em solo nacional de se beneficiarem das cadeias de suprimento globais e, por conseguinte, baixarem o custo de equipamentos. Precisamos entrar no século XXI, e aproveitarmos a integração mundial para derrubar o custo da energia no Brasil, garantindo que aquelas atividades em que somos de fato competitivos tenham ótima equação de custos.
3. Um mercado de energia efetivamente aberto
Garantir um mercado de energia aberto, livre e com competição justa e isonômica também deve estar no topo da agenda do país. Não há fundamento para limitar a demanda por energia renovável em leilões de energia nova ou impedir que renováveis possam competir com demais fontes para ofertar energia de ponta em leilões de substituição de térmicas antigas, caras e poluentes. Utilizando, por exemplo, parques híbridos, baterias e outras tecnologias que garantem atributos equivalentes aos das térmicas despacháveis, as renováveis podem ser competitivas no preço e, sem nenhum ônus adicional, garantir emissão zero de poluentes e resíduos para entrega equivalente de energia.
4. Reformas estruturais na regulação setorial
Precisamos continuar a promover reformas estruturais essenciais ao setor elétrico, muitas das quais apontadas na Consulta Pública 33 de 2017. Destaco a adoção de tarifação horária para que sinais de preço sejam coerentes com dinâmicas de oferta e demanda, a separação entre lastro e energia, além do estabelecimento de consequências mais relevantes e tempestivas a agentes que descumpram suas obrigações.
Outro ponto importante é a evolução de nosso sistema de despacho de energia, via algoritmos e sistemas estocásticos inteligentes que permitam otimizarmos nosso diversificado portfólio renovável em operação e nossos reservatórios hidrelétricos – uma vez que, no fim das contas, já somos um sistema hidro-intermitente-térmico.
5. O fim das distorções – até aquelas que parecem beneficiar as empresas
Somos favoráveis ao fim do desconto nas tarifas de transmissão e distribuição para novos empreendimentos de energia renovável a partir de 2021 e à alteração da regulação para geração distribuída, de forma que tais empreendimentos passem a pagar encargos e ônus setoriais como todos os demais o fazem.
Apesar de, a princípio, parecer que estamos defendendo algo contrário a nossos interesses – uma vez que investimos em novos empreendimentos renováveis como core business – não faz sentido que todos consumidores (especialmente aqueles que não têm recursos para acessar alternativas à distribuidora) paguem por vantagens a um setor que já consegue ser competitivo sem subsídios.
Eliminar o emaranhado de subsídios, subvenções e incentivos errados tem que ser prioridade com grande urgência, pois hoje o consumidor de energia paga o que vê e o que não vê. Não há alternativa senão transferir riscos setoriais para empresas e agentes, ao invés de continuarmos a navegar neste modelo que onera mais e mais consumidores de forma pouco transparente e mina a competitividade e a perspectiva de prosperidade ao país.
Garantir a energia mais barata e abundante possível deve ser uma obsessão de qualquer país, pois energia cara onera, cumulativamente, a todos os brasileiros – do microempreendedor que vende doces caseiros para aumentar sua renda às indústrias eletrointensivas como do alumínio.
Por muitos anos, convivemos com protagonismo e dirigismo estatal que sufocou a livre iniciativa. Essa dinâmica tem tudo para mudar com um Brasil novo e que sonha grande, viabilizando transformações que podem gerar enorme desenvolvimento econômico e grande aumento de competitividade. O que nos impede de apostar pesado em energia limpa e barata, produzida aqui? Por que não liderarmos mundialmente a adoção do transporte elétrico para resolver os problemas de nosso transporte urbano reduzindo custos e emissões?
Temos ótimas empresas e capital disponível (daqui e de fora) para tal, basta o Estado permitir que empreendedores trabalhem mais livremente e corrija distorções perniciosas geradoras de ineficiências e Custo Brasil. Um futuro 100% elétrico abastecido 100% por energia renovável está mais próximo do que imaginamos.
Até Wall Street concorda.
Antonio Bastos Filho é fundador da Omega Energia.