O Supremo Tribunal Federal suspendeu nacionalmente, desde 14 de abril, todos os processos judiciais relacionados à “pejotização”.

O julgamento definitivo ainda está pendente, sem data marcada. Este é um tema sobre o qual o STF já havia decidido em 2018, julgando lícita a contratação de pessoas jurídicas na terceirização de serviços. Apesar daquela decisão, casos na Justiça do Trabalho geraram recursos, o que mostra que não se trata de uma questão pacificada. 

A pauta me faz lembrar um ótimo filme brasileiro, Estou me guardando pra quando o Carnaval chegar, dirigido por Marcelo Gomes, um dos principais nomes do cinema independente mundial.

O cenário do filme é a cidade de Toritama, no agreste pernambucano, a 171 quilômetros de Recife. Toritama produz 60 milhões de peças de jeans por ano. Veste o Brasil e exporta para a Europa, América Latina e África. 

Estou me guardando é um filme sobre trabalho. Mostra grupos de empreendedores têxteis na cidadezinha de 46 mil habitantes, que em suas confecções (ou “facções” como dizem) geram 25 mil empregos.

A trama do filme: sem hesitar, a cidade trabalha o ano todo, costurando, cerzindo e empacotando. Não há fins de semana – literalmente. O momento mais aguardado, claro, são as férias. Sempre no Carnaval, e apenas aí. 

Este ethos empreendedor permeia todo o documentário. Eis o país que cansou de esperar por governos e correu atrás. É evidente que tudo poderia ser melhor para Toritama, e para todos nós. 

Gomes, o diretor do filme, hoje mora em Copacabana, mas cresceu no Recife. Seu pai era auditor da Receita Federal e, em viagens de trabalho pelo interior de Pernambuco, levava o filho, que assim conheceu Toritama. 

Quarenta anos depois, ao retornar à cidade para retratá-la, Gomes revela um Brasil que precisa urgentemente atualizar sua economia. Seu pai certamente teria orgulho do filho, e de como seu filme ressoa com a atual discussão sobre vínculos trabalhistas e principalmente a necessidade de uma reforma tributária da renda. 

O Governo está perdendo a oportunidade de não empreender uma reforma completa nos impostos sobre renda e patrimônio. Encasquetou com um improviso de campanha – que agora espera servir como elixir de popularidade: a isenção de IR para renda até R$ 5 mil. 

E o Governo repete o improviso ao se agarrar ao aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para diminuir o desequilíbrio fiscal. No Congresso, a proposta foi rechaçada. Mas nem Legislativo ou Executivo ousam pensar no corte de gastos tributários como maneira mais consequente e de menos impacto social para atingir o déficit zero.

A União gastará este ano cerca de R$ 525 bilhões em isenções fiscais, os chamados gastos tributários. Isto é sete vezes o rombo do orçamento federal, que é a fonte da crise de confiança que o Governo vive desde 2024. Este ano os gastos com isenções corresponderão a 4,25% do PIB. Segundo a Receita, o ideal seria 2%. 

Nosso maior gasto tributário é com o regime especial do Simples Nacional: cerca de R$ 119 bilhões (em 2024). Apesar do nome, o Simples complica em muito o nosso já asfixiante cipoal tributário, contribuindo para o que se chama de “desigualdade horizontal” na tributação.

Esse regime tributário e o MEI são soluções enviesadas para o alto custo do trabalho formal no Brasil. Ao invés de baixar esse custo, o país adotou atalhos que, ao final, ameaçam sua sustentabilidade. Por sua vez, essas e outras isenções fermentam o solo da pejotização, da precarização das relações de trabalho, entulhando a Justiça trabalhista e o STF.

Uma reforma integral da renda – incluindo os gastos tributários – é uma imposição dos tempos, e um desafio para o Governo, o Congresso e o Tribunal de Contas da União. Vai mudar Toritama; e o Brasil.

Estou me guardando pra quando o Carnaval chegar nos inspira a empreender uma Reforma Tributária integral da Renda, focada em crescimento, liberdade econômica e redução de regressividade. Tenazes, ternos, divertidos e diligentes, seus personagens-trabalhadores nos divertem e nos chamam à reflexão e à ação. Cinema bom é assim – e é o que o Brasil precisa.

Guilherme Cezar Coelho é diretor de cinema, economista e fundador da República.org e da MaisProgresso.org.