Uma das frases de efeito favoritas do Ministro Paulo Guedes é aquela segundo a qual o Brasil “é o paraíso dos rentistas e o inferno dos empreendedores.” 

A grande surpresa do projeto de reforma tributária apresentado na sexta-feira é que o Ministro está disposto a dobrar a aposta nesse cenário. 

Se o projeto for aprovado, rentistas serão tributados a 15%, assalariados a 27,5%, e empreendedores a 49%.

Esse nível de tributação sobre o setor produtivo é ainda mais chocante porque o Supremo Tribunal Federal já fixou entendimento de que uma tributação de 50% é o mesmo que um confisco, o que é expressamente vedado pela Constituição.

Embora o projeto de lei tenha muitos detalhes, uma visão geral e preliminar chama a atenção para alguns pontos. O primeiro, que salta aos olhos, é seu leitmotiv: financiar a correção da tabela do IRPF (um objetivo louvável, registre-se). Ocorre que, para isso, o Governo desenhou um brusco e elevadíssimo aumento da carga tributária das empresas e de seus acionistas.

Grosso modo, hoje o lucro das empresas é tributado a 34% (25% de IRPJ + 9% de CSLL). Com a redução de 5 pontos percentuais do IRPJ e o acréscimo de 20% sobre os dividendos, a tributação do lucro das empresas no Brasil saltaria para 49% (20% de IRPJ + 9% de CSLL + 20% de IR sobre os dividendos).

É verdade que há uma isenção para dividendos no valor de até R$ 20 mil mensais, mas ela só vale para sócios de micro ou pequenas empresas (ou seja, aquelas que faturam até R$ 4,8 milhões/ano). 

Assim se desestimula o crescimento orgânico dessas empresas, já que, ao deixarem de ser pequenas, elas levarão seus acionistas a uma tributação adicional de 20%.

A proposta evidencia uma visão distorcida do investimento empresarial, equiparando-o ao simples investimento financeiro de capital, como salienta a Exposição de Motivos do PL nº 2337/21.

Partindo do menosprezo ao papel das empresas (e daqueles que nelas investem) no desenvolvimento econômico e na geração de empregos, essa abordagem ignora o elevado risco da atividade empresarial no Brasil, onde 21% das empresas fecham suas portas logo no primeiro ano de atividade e 50% delas não completam sequer quatro anos.

Há ainda requintes de crueldade. Ainda que se possa debater a razoabilidade da tributação come-cota dos fundos fechados, a proposta do Governo a estabelece com efeitos retroativos, atingindo (de forma inconstitucional) todo o estoque acumulado — fazendo lembrar uma vez mais a célebre advertência atribuída ao Ministro Pedro Malan, no sentido de que no Brasil “até o passado é incerto.”

O projeto extingue, por exemplo, o Juro sobre Capital Próprio, uma saudável jabuticaba criada para favorecer o investimento produtivo por meio da dedução no IR, e que tem sido um poderoso instrumento de atração de investimentos.

Para ativar nosso complexo de vira-lata e invalidar de forma falaciosa a sistemática brasileira a partir de prática estrangeira, a Exposição de Motivos indica que “na maior parte dos países, os lucros ou dividendos distribuídos pela pessoa jurídica são tributados”.

Mas será que a conta nesses países chega aos 49%, com uma diferença de mais de 20 pontos percentuais entre a tributação dos assalariados e a daqueles que empreendem?

Claro que não.

Nos Estados Unidos, por exemplo, enquanto a tributação dos indivíduos chega a 39,6%, a tributação do lucro das empresas atualmente está em 21%, e os dividendos pagos aos sócios podem ser tributados a 0%, 15% ou 20%, resultando na alíquota conjugada máxima de 41%.

Nota-se uma clara aproximação da tributação dos indivíduos (39,6%) à tributação da atividade empresarial (41%), em nada comparável à assombrosa diferença entre os 27,5% brasileiros e os 49% que se quer impor à atividade empresarial nacional.

A majoração proposta também demonstra total descompasso com o momento atual, indo mesmo na contramão do recomendável. Afinal, no momento em que a economia começa a dar sinais de recuperação após a enorme crise financeira desencadeada pela pandemia, a aprovação do projeto dificultaria a recuperação e emitiria um sinal claro para o investidor que volta a olhar para o País como potencial destino de recursos — e o sinal é: “não venha!”

Se o intuito for realmente compensar a atualização da tabela do IRPF pelo IPCA, que ajustou a faixa de isenção para R$ 2,5 mil, a solução pode estar dentro da própria sistemática da tributação das pessoas físicas — por exemplo, limitando (ou mesmo eliminando) a possibilidade de dedução de gastos típicos dos mais abastados: como os gastos com saúde e educação. Talvez aqui existam gargalos de desoneração que permitam a compensação da atualização da tabela do IRPF sem inviabilizar a atividade empresarial.

Por outro lado, se aprovada a proposta, assistiremos a uma majoração tributária da atividade empresarial suficiente para trazer à memória a experiência recente da Argentina, que entre 2002 e 2015 viu a carga tributária duplicar de 18,3% para 36,6%. Conhecemos bem o resultado catastrófico que tal movimento teve sobre a economia de nossos vizinhos. 

O Ministro Paulo Guedes gosta de dizer que o empresário brasileiro tem uma bola de ferro amarrada no pé esquerdo (o juro alto), outra no pé direito (o imposto alto) e uma bigorna em cima da cabeça (a burocracia). O punchline da piada é: “Agora corre que o chinês vai te pegar!” Exceto pelo juro mais comportado, a piada permanece intacta — e essa proposta só aumenta o peso da bola de ferro.

 

Luiz Gustavo Bichara é advogado tributarista e sócio do Bichara Advogados.