NOTA DO EDITOR: Este artigo extremamente didático de Rogério Nagamine mostra tudo que está errado com a Previdência no Brasil – e lista as medidas necessárias para consertá-la.

O artigo mostra que o Brasil tem jeito. O que falta é uma liderança política que pense não na próxima eleição, mas nos próximos 30 anos. A bola está com Hugo Motta e Davi Alcolumbre.

 

O Brasil precisa urgentemente de uma nova reforma da Previdência para enfrentar os desafios impostos pelo envelhecimento populacional acelerado e a já delicada situação fiscal.

Os impactos da transformação demográfica são evidentes: em 1980 havia um benefício do INSS para cada 15 habitantes; em 2024, essa proporção caiu para 1 em cada 5 e, sem reforma, deve se reduzir para 1 em cada 3 habitantes até 2070.

Entre 2024 e 2054, a população com 60 anos ou mais dobrará, passando de 34,2 milhões para 68,9 milhões. Em 2050, o grupo etário mais numeroso será o grupo com 70 anos ou mais. Enquanto isso, a população em idade ativa irá encolher, o que agravará fortemente a relação entre contribuintes e beneficiários.

A projeção é que, sem reforma, na década de 2050 essa relação deve cair para o patamar de 1 beneficiário para cada contribuinte e, em 2070, 0,7 contribuinte por beneficiário. O Brasil caminha para uma situação insustentável para a futura geração de trabalhadores ativos.

Em 2023, no Brasil cerca de 18,2% dos beneficiários e 17,3% da despesa com aposentadoria e pensão eram com pessoas de menos de 60 anos de idade, sendo que na União Europeia, em 2022, esses percentuais eram de, respectivamente, de 9,2% (metade) e 6,2% (cerca de 1/3) e irão diminuir ainda mais no futuro.

A pressão sobre as finanças públicas

O envelhecimento acelerado irá pressionar fortemente as já fragilizadas contas públicas. Em 2023, o Brasil gastou cerca de R$ 1,5 trilhão com a previdência pública (13,8% do PIB). Com a inclusão do Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS), o gasto chega a cerca de R$ 1,6 trilhão (14,7% do PIB).

Para efeito de comparação, a União Europeia, que tem uma razão de dependência de idosos que é cerca do dobro da brasileira, tem uma despesa pública com previdência inferior à do Brasil, de 11,4% do PIB. No âmbito da OCDE, o gasto público com aposentadorias e pensões foi, em média, de 7,7% do PIB no ano de 2019.

A urgência de uma nova reforma decorre também do fato que o País está envelhecendo até mais rápido do que se imaginava. Nos próximos 22 anos o Brasil deve envelhecer o que Europa e países de renda alta demoraram, respectivamente, 58 e 60 anos, usando como indicador de envelhecimento a razão de dependência de idosos.

A insuficiência das reformas passadas

A reforma de 2019 foi muito ampla e positiva, mas acabou sendo insuficiente em função de mudanças que ocorreram na tramitação no Congresso e problemas que não foram enfrentados.

Entre os retrocessos feitos pelo legislador cabe destacar a exclusão dos servidores dos governos estaduais e municipais da reforma e dos segurados rurais.

Também não foi enfrentada a situação do Microempreendedor Individual (MEI), que fragiliza o financiamento e o equilíbrio financeiro e atuarial do RGPS. Até agora, aproximadamente dois terços dos municípios com Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) ainda não realizaram reformas.

Também durante a tramitação no Congresso foram excluídos mecanismos de ajustamento automático à demografia, que está presente em cerca de 2 em cada 3 países da OCDE.

Propostas para a Reforma

Para garantir a sustentabilidade a médio e longo prazo e maior equidade intergeracional é necessário avançar em uma nova reforma com os seguintes pontos-chaves:

1- Reforma da previdência dos militares: buscar convergência das regras de reserva/reforma e pensões dos militares às que já prevalecem para servidores civis e INSS. Trata-se de um grupo pequeno que respondeu, em 2023, por um déficit de R$ 49,7 bilhões;

2- Uniformização das regras para servidores públicos: reunificação das regras dos servidores estaduais e municipais as normas federais;

3- Revisar RGPS rural e aposentadorias especiais: convergir gradualmente a idade de aposentadoria para o setor rural, alinhando-a ao setor urbano, para reduzir desigualdades. Essa medida permitiria uma redução da despesa, em 30 anos, estimada em cerca de R$ 900 bilhões.

No âmbito da OCDE, o país com maior participação de aposentadorias especiais no total de aposentados é a Grécia, com 11%, enquanto, no Brasil, o setor rural responde por cerca de 1/3 (32,4%) do total de aposentadorias do RGPS.

No âmbito da OCDE, há 11 países que não oferecem nenhuma opção de aposentadoria antecipada, e quatro que restringem o benefício à polícia, bombeiros e militares.

4- Revisão do Microempreendedor Individual (MEI): o programa MEI tem problemas de focalização, sendo pouco eficiente em reduzir a informalidade, e deverá gerar um elevado desequilíbrio nas contas do RGPS;

5- Adoção de Contas Nocionais: manutenção do regime de repartição, mas que passaria a contribuição definida (não mais benefício definido);

6- Mecanismos de Ajustes Automáticos: a reforma deve prever mecanismos de ajustes automáticos à demografia, como a evolução da idade legal de aposentadoria e/ou valor dos benefícios conforme a evolução da expectativa de (sobre)vida;

7- Redução da judicialização e desconstitucionalização de parâmetros previdenciários: poucos países no mundo fixam parâmetros como idade e cálculo de benefício na Constituição.

8- Convergência gradual da idade de aposentadoria das mulheres a dos homens: no RGPS, na nova regra permanente, mulheres tiveram redução no tempo de contribuição e de idade;

9- Fomento à poupança: o aumento da expectativa de vida exige um maior volume de poupança (individual e coletiva);

10- Medidas de gestão: a recente expansão do estoque de auxílio-doença de cerca de 80% entre setembro de 2023 e julho de 2024, devido ao Atestmed, é um exemplo de medida de gestão que necessita correção.

Outro ponto a ser corrigido é deixar de contar o tempo de recebimento do auxílio-doença intercalado no cálculo do valor do benefício, tendo em vista que a EC 103/2019 vedou a contagem de tempo fictício de contribuição.

A reforma da Previdência não é apenas necessária, mas urgente. Sem mudanças profundas, o sistema previdenciário se tornará insustentável, sobrecarregando as futuras gerações e colocando em risco a saúde fiscal do País, com graves impactos econômicos e sociais.

Rogério Nagamine Costanzi é doutor em Economia pela Universidade Autónoma de Madrid e Mestre em Economia pela USP.

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