A Lei de Responsabilidade Fiscal completou 25 anos no mês passado. Mas apesar de sua existência, há mais de 25 anos o Brasil enfrenta um desafio fiscal significativo, com déficits nominais reiterados no Governo Central, que reúne todos os Poderes e Entes da Federação.
A falha do modelo fiscal é resultado de regras ruins e sem consequências, que geram um incentivo perverso para o setor público seguir aumentando suas despesas mesmo diante de resultados negativos.
Desde 1998, o Brasil tem registrado déficits fiscais nominais e, nos últimos 10 anos, com exceção de 2022, o Governo Central também apresentou déficit fiscal primário, que é calculado com a exclusão dos valores pagos a título de juros da dívida. É como se o orçamento mensal de cada família não precisasse levar em consideração a fatura do cartão de crédito ou o pagamento da dívida do cheque especial.
Isso indica que o modelo fiscal adotado não tem sido eficaz para garantir a sustentabilidade das contas públicas.
Fala-se em usar o indicador da dívida bruta do Governo Central em relação ao PIB como limite, mas esse indicador apenas mede o resultado da soma dos erros fiscais passados. Nosso desafio enquanto Nação é impedir que os Governos gastem mais do que arrecadam e aumentem o estoque da dívida.
É como se o orçamento doméstico mensal de cada família não fosse definido pela receita total dos membros, mas pelo espaço ainda existente no cheque especial ou no saldo em aberto do cartão de crédito.
Para resolver isso, a despesa do Governo Central deveria ser claramente limitada, para não deixar dúvidas. Poderia ser, por exemplo, limitada a 35% do PIB do ano anterior (=média da despesa pública dos membros do G7, o grupo que reúne os sete países mais desenvolvidos do mundo) ou, ainda melhor, a 95% do valor nominal arrecadado no ano anterior por cada ente da federação.
Algo simples, direto e sem margem de interpretação – já que o Poder Público é muito criativo em achar brechas para gastar e passar a conta para a sociedade.
No modelo atual, com seus incentivos perversos, a prática de fazer o orçamento do ano seguinte com base em receitas superestimadas se mostrou uma grande e recorrente tragédia.
A persistência de déficits fiscais nominais, mesmo em anos de superávits primários, revela a necessidade de uma reavaliação das políticas fiscais. O Brasil precisa implementar um sistema de gatilhos que ative medidas corretivas automáticas em caso de déficit primário em um único ano, ou em caso de déficits nominais por três anos consecutivos, uma regra que deveria ser válida para cada ente da federação individualmente, e para o governo central como um todo. Se depender da vontade política, os grupos de interesse farão pressão para empurrar a solução para o próximo governante, até chegar no limite.
Entre as medidas automáticas – que valeriam no ano seguinte ao ano em que houve um déficit primário (ou no ano seguinte a três anos consecutivos de déficit nominais) – seriam vedadas, por exemplo: progressões de carreira e promoções; aumentos ou reajustes salariais, de benefícios ou de parcelas indenizatórias; concessão de adicionais por tempo de serviço; concessão de licença-prêmio, licença-assiduidade e demais licenças por tempo de serviço; concessão de licenças para cursos de média e longa duração; concessão de férias superiores a 30 dias; realização de qualquer tipo de recesso ou ponto facultativo, salvo se descontado do período de férias; redução de jornada sem redução de remuneração equivalente; concessão de adicional ou indenização por substituição; pagamento de parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos, valores e parâmetros em lei; reestruturação de carreiras que impliquem aumento de gastos; criação de novos benefícios, cargos, funções ou gratificações; contratações de servidores efetivos, somente sendo permitidas contratações em caráter temporário; compra de passagens aéreas em classe executiva ou superior; aporte de recursos em empresas estatais; criação de novas estruturas, áreas, órgãos, agências, autarquias, fundações, institutos, universidades e empresas estatais; compra de bebidas alcoólicas; compra de itens classificados como de luxo; locação de novos imóveis ou veículos; e, por fim, qualquer tipo de obrigação, indexação ou vinculação orçamentária que dificulte o ajuste das contas públicas.
Sem dúvida, essa lista pode ser ampliada.
Para garantir a sustentabilidade fiscal do Brasil, é crucial que o governo adote medidas que alinhem os incentivos e impeçam a repetição de déficits nominais e, principalmente, déficits primários.
Com incentivos alinhados, todos os servidores públicos – pessoas altamente qualificadas e engajadas com o interesse público – trabalharão diariamente para impedir novos déficits e garantir que o Poder Público gaste somente os recursos que arrecada, sem punir a população brasileira com aumento de impostos ou com inflação, e, pior, sem punir as próximas gerações com aumento da dívida pública.
A avaliação de políticas públicas deixará de ser um desejo de poucos para ser uma realidade no cotidiano da administração pública.
Além disso, teríamos todos os sindicatos e associações que representam servidores públicos e membros de Poderes trabalhando para evitar déficits, e não para aumentar o rombo das contas públicas.
A implementação de gatilhos automáticos é uma solução eficaz e necessária para evitar que o País enfrente novas crises fiscais, como ocorreu tantas vezes em nossa história.
A crítica à Lei de Responsabilidade Fiscal é o primeiro passo, mas o mais importante é a reformulação das políticas fiscais brasileiras. A intenção da lei foi boa, mas como alertou Milton Friedman, um dos maiores erros é julgar os programas e as políticas públicas pelas intenções e não pelos resultados.
A busca pelo primeiro superávit fiscal nominal em 25 anos requer um compromisso coletivo entre governo, sociedade civil, servidores públicos, os membros dos Poderes, imprensa e especialistas.
Com as mudanças propostas, é possível vislumbrar um futuro fiscal mais saudável, que permita ao Brasil não apenas equilibrar suas contas, mas também promover crescimento econômico e o bem-estar da população. A hora de agir é agora, e a responsabilidade fiscal deve ser uma prioridade para todos nós. Não vamos esperar mais 25 anos de déficits fiscais nominais para agir.
Paulo Uebel foi Secretário do Ministério da Economia (2019-2020) e Secretário de Gestão da Prefeitura de São Paulo (2017-2018).