Estive recentemente em Cancún para um encontro entre as maiores empresas latinas e investidores globais, e um dos assuntos que dominou a agenda foi o nearshoring – o movimento de se trazer parte ou toda a cadeia de fornecimento para uma localização mais próxima, como um país vizinho.

Saí das conversas com duas grandes surpresas. Primeiro, os mexicanos estão bem menos empolgados com o nearshoring do que se imagina. Segundo, o Brasil tem uma oportunidade incrível de aproveitar esta tendência se decidir encarar este movimento de frente.

O nearshoring é um movimento contrário à globalização, mas aparentemente inevitável. Ele teve duas motivações originais. Em primeiro lugar, uma quebra de confiança nas cadeias de suprimento globais durante a covid. A dependência da produção de insumos e partes em países sujeitos a restrições devido à pandemia obrigou consumidores a esperar meses por certos produtos – e isso mesmo nos momentos em que a demanda chegou a atingir os maiores patamares da história. 

O segundo motivador tem a ver com questões geopolíticas. Em especial, a disputa comercial entre Estados Unidos e China, além da guerra na Ucrânia. Ter parte da cadeia de produção em um país mais alinhado à China, por exemplo, traz insegurança aos EUA.

Dentro deste panorama, os Estados Unidos têm tratado abertamente do nearshoring. E o melhor candidato a assumir a posição de maior beneficiário e principal player deste movimento é o México, por motivos óbvios. 

Com tudo isso, por que restou a impressão nítida de que os mexicanos não acreditam no nearshoring como um fenômeno que venha a propulsionar o país? Essencialmente, a resposta está em fatores ligados à infraestrutura, energia e política de negócios. 

No quesito infraestrutura, apenas a região de Monterrey, no norte do México, tem capacidade de fazer frente às necessidades de uma empreitada destas, mas a capacidade de expansão é limitada pelo espaço físico. Isso sem falar que ainda não há uma política de governo e nem uma indicação de apoio aberto com relação a fontes de financiamento para estes tipos de projetos.

Do ponto de vista das fontes de energia para a produção e transformação industrial, a matriz energética mexicana é pouco voltada à energia limpa, o que reduz o apetite de empresas americanas e europeias. Há ainda questões de segurança que impactam na atratividade do México como plataforma para nearshoring, mas esse não parece ser o tema principal.

Qual seria, então, a alternativa ao México? A mais aventada pelos investidores são os próprios EUA, o chamado onshoring. 

Apesar de a infraestrutura ainda ser uma questão em certos estados americanos e de os custos de mão de obra (entre outros) serem mais altos, o país ainda tem uma indústria que pode se tornar mais competitiva. O fenômeno do onshoring certamente será peça importante deste quebra-cabeça – e manterá boa parte da cadeia produtiva dentro dos EUA, numa quase autossuficiência industrial.

Mesmo assim, voltei convencido de que o Brasil também está sendo seriamente cogitado como uma alternativa interessante – o que não é de todo surpreendente. 

Do ponto de vista geopolítico, somos um aliado histórico dos EUA e há um bom alinhamento entre nossos atuais governantes. Quanto à infraestrutura, certamente há muito a melhorar, mas somos melhores que o México em rodovias (quase o dobro da quilometragem/habitante) e semelhantes em ferrovias (o México é ligeiramente melhor). 

Com relação ao funding, temos uma série de alternativas de captação testadas com muito sucesso, e um mercado de capitais com razoável profundidade (falta-nos explorar melhores alternativas que permitam acessar o mercado externo de capitais de forma mais eficiente). O marco regulatório tem sido testado com um histórico de concessões e acúmulo de experiências em mais de uma geração, com relativo sucesso.

Do ponto de vista energético, ganhamos de goleada. Temos 82% de fontes limpas e renováveis  na matriz, contra apenas 27% no México. Lá o custo é cerca de 30% menor, mas a questão da matriz é quase binária: sem energia limpa, muitos não mudarão para o México. Sem contar que há espaço para o Brasil se tornar mais eficiente, dando maior escala a certas fontes e ampliando a comercialização dessa energia.

Em que precisamos melhorar para nos tornarmos realmente competitivos e ganharmos, de fato, com este movimento? 

Primeiramente na questão tributária. A nossa carga é de 33%, contra 18% no México. Além disso, somos mais burocráticos: estamos na 124ª posição no ranking de facilidade de fazer negócios, enquanto o México está no 80º lugar.

Para resumir, a mensagem de Cancún foi clara. Somos um ótimo candidato para surfar a onda gigante do nearshoring, com possibilidades muito relevantes para nossa indústria e economia. 

Para isso, teremos que avançar, de forma estruturada e pensada, numa reforma tributária que simplifique o sistema e traga maior segurança jurídica – o que parece estar mesmo na agenda do novo governo.

Mas teremos também que fazer uma análise de onde estão nossos gargalos burocráticos e endereçá-los de forma pragmática: regras mais fáceis de exportação e importação, normas cambiais mais amigáveis (algo que está sendo abordado) e assim por diante.

Precisamos tomar estas decisões de forma consciente e com seriedade, porque há uma oportunidade enorme à nossa frente – e ela não acontecerá duas vezes.

Renato Ejnisman é vice-presidente de atacado do Santander Brasil.