No acelerado mundo da política, o tempo não é apenas um observador neutro. Para o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em seu terceiro mandato, o relógio parece estar jogando contra. Com um ano e meio, seu governo envelhece mais rápido do que deveria, enfrentando uma série de desafios críticos. E agora?
O envelhecimento precoce de governos acontece desde sempre. Foi assim com Isabel Perón na Argentina, que viu seu governo esfarelar quase imediatamente. Isabel, que sucedeu seu marido Juan Domingo Perón após sua morte em 1974, sofreu com altos níveis de desemprego, crescente inflação, divisões internas, corrupção e insatisfação dos militares, resultando no Golpe de Estado de 1976.
Emmanuel Macron na França e Mauricio Macri na Argentina sofreram com isso. Ambos os líderes assumiram o cargo com apoio, mas viram sua popularidade despencar rapidamente enquanto lutavam para gerenciar crises e expectativas públicas em tempo real. Theresa May, ex-primeira-ministra do Reino Unido, e Shinzo Abe, ex-primeiro-ministro do Japão, assassinado em 2022, também perderam popularidade em tempo recorde.
Joe Biden, que concorre à reeleição este ano contra Donald Trump, também se encontra em um governo que envelheceu rápido. Em agosto de 2021, com menos de um ano de mandato, viu a sua popularidade cair para menos de 50%.
Hoje a rapidez com que as notícias se espalham virou um desafio adicional. A democracia está se movendo mais rápido do que nunca, e populações ao redor do mundo sentem cada vez mais que a política é incapaz de resolver problemas. Os políticos não podem mais contar com o ciclo lento dos meios de comunicação tradicionais; agora devem navegar em um ambiente de notícias 24/7 onde a opinião pública pode mudar da noite para o dia. Como escreveu o famoso produtor musical e gênio criativo Rick Rubin “Time has less patience than it used to”.
Segmentar mensagens para públicos-alvo, algo que Lula faz bem, também não adianta muito em um mundo onde mensagens se espalham rapidamente. O Lula do passado era capaz de tomar café com estudantes na Unicamp, almoçar com sindicalistas e jantar com empresários e banqueiros. Para cada grupo conseguia formular uma mensagem de otimismo e angariar apoio.
Para complicar, o ambiente polarizado faz com que todo tema ganhe uma importância que, no passado, seria apenas uma nota de rodapé em um jornal impresso. As redes sociais e o WhatsApp viraram câmaras de eco onde uma qualidade inata de bons políticos – convencer o próximo – virou tarefa quase impossível.
Esse caldo tem gerado enormes dificuldades aos incumbentes. Jair Bolsonaro (Brasil), Donald Trump (Estados Unidos), Mauricio Macri (Argentina), José Maria Figueres (Costa Rica) e Andrzej Duda (Polônia) são exemplos recentes de líderes que perderam a reeleição. Brasil e Estados Unidos são casos emblemáticos, pois são duas gigantes democracias com a tradição de reeleger seus presidentes.
Para o atual governo, esse envelhecimento precoce não é apenas uma percepção — é uma realidade comentada em Brasília, inclusive por aliados políticos. Pesquisas recentes demonstram preocupante queda de popularidade. A macroeconomia, no papel, não vai mal, mas pesquisas também mostram uma insatisfação da população com os rumos econômicos do País. Se o desemprego é baixo e o crescimento existe, a persistente inflação, que sempre penaliza presidentes, é um dos exemplos de aborrecimento dos brasileiros, principalmente dos mais pobres.
Muitos fatores geram inquietação no mercado. A combinação de juros altos e fiscal desarranjado é um deles. A trajetória de crescimento comparada com outros países emergentes é baixa e a evolução da dívida pública preocupa, principalmente com a recente mudança no recém-criado arcabouço fiscal. Haddad busca compensar na arrecadação, algo que o mercado de certa forma apoia. O Congresso coopera, mas em velocidade reduzida e intensidade diluída. E o PT parece incapaz de debater corte nos gastos, algo que o mercado aplaudiria.
O Congresso Nacional, cada vez mais autônomo, golpeia Lula e o PT sempre que possível, derrubando vetos e imprimindo a sua própria agenda, que pouco encaixa com o que o PT enxerga para o Brasil.
A verdade é que o Presidencialismo de Coalizão do passado não existe mais. Antes ancorado em um grande partido do centrão, como PMDB ou PFL, e usando emendas e cargos para negociar apoio, hoje o Centrão está fragmentado de fora para dentro e de dentro para fora. Não temos mais “O Grande Partido do Centrão”, e muitos deles já vem com rupturas internas de fábrica, pois regionalmente precisam se adequar à polarização. Emendas hoje são impositivas. É um cenário onde entregar ministérios não resolve quase nada. E quando resolve, resolve para poucos. É uma solução que também envelhece rápido.
Não há bala de prata para a governabilidade. O próximo presidente da Câmara continuará tendo como objetivo principal fortalecer a autonomia e a agenda do Parlamento, principalmente na questão orçamentária. Já no Senado, o super-favorito Davi Alcolumbre (União Brasil) deve ser mais incômodo ao PT do que o atual, Rodrigo Pacheco (PSD).
Isso não significa que Lula não chegará vivo e competitivo em 2026. Ainda é muito cedo para prognósticos deste tipo. Ao seu favor estão a força da máquina pública e a histórica força eleitoral do PT, que obtém números expressivos nas urnas mesmo quando perde. A exceção foi a derrota de 1994, quando Lula obteve 27% dos votos, contra 54% de FHC. No entanto, os desafios são enormes. Pesquisas já mostram uma oposição competitiva, com alguns nomes aparecendo com baixos níveis de rejeição. Os isentões, chutados por ambos os lados, decidirão o segundo turno na base do “quem eu rejeito menos?”.
Normalmente, no abstrato tempo da política, é mais importante frear do que acelerar. No entanto, com os desafios que Lula tem, é hora de buscar fatos novos. Ainda há tempo e muitas oportunidades. Pelo figurino institucional do Brasil de hoje, ele dificilmente os achará dentro do PT.
A polarização brasileira é diferente da americana, por exemplo. Aqui temos uma relevante área cinzenta entre os eleitores, que ora votam em um lado, ora em outro, influenciados mais por rejeição e cansaço do que por simpatia ou ideologia. Por aqui também temos um Congresso Nacional que, diferente dos Estados Unidos, não espelha a polarização social e as eleições presidenciais. A banda de “eleitores independentes” no Brasil também é mais elástica. São três fatores que, por si só, são motivos suficientes para liderar com uma pauta além da sua.
É para esse público que Lula deveria gastar mais tempo dialogando. É esse público que Bolsonaro muitas vezes esqueceu de dialogar.
Lucas de Aragão é mestre em ciência política e sócio da Arko Advice.