A debacle da Americanas e as notícias de possíveis restruturações na Light e CVC devem acelerar uma reprecificação já em curso – e há muito tempo esperada – do mercado brasileiro de crédito privado.

Isso terá repercussões não só para os gestores de crédito e cotistas destes fundos, mas principalmente para as próprias empresas, que terão que pagar mais caro para se refinanciar.

Desde o evento Americanas, a taxa média do R$ 1 trilhão em instrumentos de crédito nas carteiras das gestoras – medido pelo índice de debêntures da Anbima – já abriu em torno de 35 pontos-base.

Nossa preocupação com a precificação do risco no mercado de crédito local já vem de algum tempo, como discutimos numa entrevista recente aqui no Brazil Journal.

Em grande parte, o cenário atual de juros altos com inflação elevada está na raiz da deterioração das condições de crédito.

Do lado corporativo, a piora nas condições macroeconômicas teve impacto direto nos balanços, onde já se percebe uma deterioração relevante nos índices de alavancagem e geração de caixa.

De acordo com o Indicador de Inadimplência da Serasa Experian, no mês de novembro havia mais de 6,3 milhões de empresas negativadas. É a maior quantidade atingida desde o início da série histórica do índice, em 2016.

Por conta do aumento do CDI e das incertezas macroeconômicas locais e globais, houve uma saída substancial de recursos da renda variável para a renda fixa em 2021 e 2022.

Esse movimento fez com que os spreads de crédito comprimissem, beneficiando a performance de títulos como debêntures no mercado local e mascarando o verdadeiro risco de crédito dos emissores, que vinha se deteriorando no atual quadro micro e macroeconômico.

Em outras palavras, já estava cada vez mais claro que o prêmio de risco para investir em alguns papeis não compensava adequadamente o risco desse investimento.

O mercado externo de bonds reforçava essa constatação: os títulos emitidos lá fora por empresas brasileiras comandavam prêmios de risco significativamente maiores que os praticados no mercado local.

Havia empresas cuja debênture local negociava a CDI + 1% a.a., enquanto os bonds offshore pagavam 10% em dólar. O risco de crédito nos dois títulos era semelhante, mas nos parecia que o prêmio oferecido no mercado internacional refletia melhor o verdadeiro risco de crédito, enquanto os títulos locais premiavam pouco o investidor.

Na nossa visão, em algum momento o mercado local deveria ajustar os preços desses títulos.

Esse ajuste já havia começado quando a Americanas explodiu.

O estresse gerou um movimento de resgates de fundos de crédito, mas os dados atuais ainda não mostram o cenário completo, já que muitas carteiras têm carência superior a 30 dias para saques. Veremos nos próximos dias se mais fundos serão obrigados a vender títulos, nos preços possíveis, para dar saída a seus cotistas

O aumento percebido do risco de crédito e uma reversão parcial dos fluxos devem acelerar este processo de reprecificação.

Dadas as incertezas no macro global e as turbulências no mercado de crédito local, este momento deve abrir grandes oportunidades de investimento em crédito – para quem tiver paciência, for diligente e souber separar o joio do trigo.

Mas antes de puxar o gatilho, é preciso esperar a poeira baixar.

Rafael Fritsch e Felipe Niemeyer são sócios da Root Capital.