Todo mundo que trabalha com mercado financeiro sabe da volatilidade extrema das opiniões dos grandes formadores de preço.

Há não mais que seis meses, não só era consenso que o BC deveria acelerar a queda dos juros e levar a Selic para um dígito, como também muitos acreditavam que o câmbio se apreciaria para R$ 4,50 ou até mais – sem falar nas previsões para a Bolsa.

Hoje estamos no outro extremo.

Temos taxas de juros implícitas que se aproximam de níveis vistos em 2015 e 2021, quando as condições de inflação eram muito distintas das atuais, e o real, coitado, também se aproxima dos piores níveis vistos naqueles momentos. Depois de dez anos, voltamos a ouvir a expressão “dominância fiscal” nos almoços da Faria Lima, o que normalmente é prenúncio de virada.

Por estilo de ser e pensar, nunca gostei de extremos, e tampouco de achar explicações para simplesmente ratificar níveis de preços que, a meu ver, não se justificam.

O principal problema que temos hoje – a taxa de juro real muito alta – está na essência do arcabouço fiscal, que apesar de buscar o equilíbrio das contas públicas acaba por causar impactos secundários no nível das taxas de juros ao não atacar o lado estrutural das despesas públicas.

O foco no aumento da arrecadação sem contrapartida nas despesas causa dois efeitos: encarece o investimento, dado que a carga tributária já é elevada (sem contar que setores reduzem o investimento pelo risco de serem futuramente impactados), ao mesmo tempo em que mantém o consumo aquecido por meio das transferências do governo.

Como sempre, no curto prazo a coisa funciona, dado que mais crescimento gera mais arrecadação (uma teoria sempre perigosa). Mas fatalmente, a coisa deságua em menos crescimento ou mais inflação – ou ambos, dado que o baixo investimento presente impactará a capacidade futura de crescer.

Em outras palavras, o arcabouço empurra as taxas de juros de equilíbrio para cima, em um País que tem uma dívida relativamente alta. Daí o pessimismo dos agentes: com juros reais ad eternum a 6,5%, como esperar a sustentabilidade do crescimento do País? Como rolar uma dívida já alta com tais níveis de juros?

Isso não significa que não seja legítimo acabar com distorções (e exceções) fiscais, pelo contrário – mas isso deveria estar aliado ao ajuste do outro lado do balanço.

O erro do mercado é imaginar que a rota não será corrigida e, pior, calcular um prêmio justo para tal deterioração, ainda que já tenha havido vários exemplos nas últimas décadas. Subestima-se a própria sociedade.

Hoje a curva embute um nível de juros reais que se aproxima de patamares semelhantes aos vividos na grande crise de 2014-15, ou mesmo no período da súbita aceleração da inflação pós-pandemia, o que não faz o menor sentido.

No primeiro evento, havia um risco de “solvência” palpável: alta alavancagem nas grandes estatais e empresas privadas, o Brasil ter perdido subitamente o selo de bom pagador, e a exposição líquida de estrangeiros a ativos brasileiros. Também não havia visibilidade sobre o real tamanho do problema fiscal.

Mais importante ainda: não havia certeza de que os checks and balances da sociedade seriam de fato eficazes.

Já no ciclo 2021-22, o juro vinha de níveis completamente irreais, a reboque de uma depreciação cambial de mais de 50% em apenas um ano, no meio de um superciclo de commodities e da quebra das cadeias globais de suprimento.

Isso tudo se traduziu numa das maiores importações de inflação jamais vistas, sem citar que o mundo e os países desenvolvidos promoveram um dos maiores ajustes monetários em quase 40 anos.

Mais: entre o início da pandemia e a última eleição presidencial houve um aumento súbito das transferências de renda, seguida por PECs que culminaram numa das maiores transferências fiscais da história em tão pouco tempo.

É justo os mercados botarem os preços daquelas sequências de eventos catastróficos na atual curva de juros?

Por que incluir um prêmio deste tamanho nos preços, no mesmo momento em que o País ratificou a meta de inflação de 3%, com um Banco Central independente que já iniciou, de forma unânime, o ciclo de alta que há pouco se dizia impossível?

Mais uma vez os agentes de mercado – com visão de curto prazo – subestimam o quanto a sociedade evoluiu em 30 anos, desde que os fundamentos do Plano Real se consolidaram, e ao longo de várias administrações de diferentes matizes.

Em recentes conversas com investidores estrangeiros – que na maioria sequer falam português – ouvi relatos impressionantes sobre participantes do mercado local indo falar mal do País lá fora. E estamos vendo mais uma vez muita gente colocar dinheiro em estratégias com vieses passionais, e não racionais.

Estes investidores parecem ignorar que a sociedade hoje discute e pressiona diariamente por temas como empreendedorismo, limites do Estado e a necessária eficiência do nosso welfare state – ao mesmo tempo em que a equipe econômica discute não apenas o tema fiscal como também microrreformas importantes.

Aliás, é reconfortante ver a menção aos juros reais como a maior preocupação de muita gente, e não o câmbio. O cerne do problema brasileiro já não está  mais nas contas externas, e sim no nível dos juros reais em resposta ao problema fiscal.

Governos tendem a reagir em momentos de crise e dificuldade. Já estamos próximos – ou passando da hora – de reagir.

Brasília precisa saber que o quadro atual não é difícil de reverter: com emprego e crescimento robusto, temos uma oportunidade ímpar de fazer um freio de arrumação e coletar não só estabilidade, mas principalmente a sustentabilidade desse crescimento.

O Brasil está muito barato. E com todo o mercado na mesma ponta, qualquer anúncio robusto terá um impacto enorme nos mercados.

Sandro Sobral é o chefe de gestão financeira do Santander Brasil.