Nos últimos meses, todos os números de atividade, dados fiscais, números de mortes e novos casos de covid melhoraram.  Ainda assim, vai se consolidando no mercado a percepção que tudo pode piorar — ou já piorou — por uma mudança de direção da política econômica. 

No caso da atividade, os últimos dados do setor de serviços publicados na semana passada vieram muito acima da expectativa do mercado e consolidaram a expectativa de algum crescimento do PIB no segundo trimestre, sinalizando para um crescimento da economia de 5,3% neste ano. Em março, a expectativa era que o crescimento do PIB não passasse de 3%. 

Os dados fiscais também melhoraram. Ao invés de um déficit primário de 3% do PIB que o mercado estimava no início de abril, os dados agora apontam para um déficit  de 1,5% do PIB. Ou seja, em apenas cinco meses a expectativa de déficit primário caiu pela metade! 

A expectativa de endividamento do setor público também foi revisada para baixo — de 89% para abaixo de 82% do PIB, na estimativa do time macro do BTG Pactual.

A pandemia também está dando algum refresco: a média móvel de mortes está estabilizada nos níveis de janeiro, e os novos casos em níveis de novembro de 2020, o melhor mês desde o pico da primeira onda. 

Além disso, estamos vacinando dois milhões de pessoas por dia — o que permite uma abertura mais rápida da economia do que se pensava há poucos meses. 

Na Bolsa, as companhias abertas estão tendo resultados em muitos casos acima da expectativa do mercado, o que  justificaria uma alta do Ibovespa muito além dos 130 mil pontos no pico de junho. Mas nesta semana, o índice bateu uma mínima de 116 mil pontos. 

No mercado de juros, a Selic mais alta para controlar a inflação — em meio a um déficit fiscal menor e uma dívida pública muito inferior ao estimado pelo mercado — deveria ter reduzido a inclinação da curva.

Em outras palavras: a alta da Selic não deveria ter contaminado a taxa de juro longa. 

Mas essas taxas dispararam e já sinalizam a volta dos famigerados dois dígitos em 2023.  Da mesma forma, apesar do que deve ser o melhor resultado de conta corrente desde 2007, o dólar se mantém firme acima de R$ 5.

Como chegamos até aqui?  Por que os preços de ativos parecem desconectados de uma recuperação econômica melhor do que esperado?

Em pouco mais de duas semanas, um debate legítimo sobre como conciliar o pagamento de sentenças judiciais com o teto de gastos se transformou em um receio por parte do mercado de que o governo utilizaria esse episódio para quebrar o teto de gastos para abrir espaço fiscal para aumentar em 100% ou mais a bolsa família, um aumento que não é compatível com as regras fiscais e com o espaço fiscal projetado para o próximo ano.

Na economia, às vezes o que se dá com uma mão se tira com a outra. Por isso, ao tentar resolver qualquer problema, a classe política precisa refletir sobre as consequências.

Você quer pagar uma taxa de juros mais alta no financiamento imobiliário? Você quer que o Tesouro Nacional gaste mais recursos do contribuinte com serviço da dívida? O que acontecerá com o mercado de trabalho quando investimentos forem postergados porque investidores não conseguem ter o mínimo de previsibilidade da direção da política econômica?  

O que o governo e sua base política devem fazer para sairmos dessa situação dos ativos brasileiros derretendo nas últimas duas semanas? 

Duas coisas. Primeiro, o governo precisa definir logo o valor do bolsa família compatível com o espaço livre no teto de gastos, espaço este que será por volta de R$ 20 bilhões, de um crescimento no teto de gastos de R$ 124 bilhões, em 2022 (IPCA de 12 meses acumulado até junho de 2021 que corrige o teto de gastos de 2022).

Isso aponta para um valor do Bolsa Família não muito diferente de R$ 300. 

Segundo, o governo precisa encaminhar logo a solução para a questão dos pagamentos dos precatórios e sentenças judiciais de R$ 89 bilhões, com ou sem parcelamento. O ideal é que o parcelamento de precatórios e sentenças judiciais, se necessário, seja negociado — e não imposto por uma regra permanente. 

Apesar da boa intenção do governo ao propor a criação de um fundo com a receita de privatizações e concessões para pagar precatórios que seriam parcelados, essa proposta tem contribuído muito mais para o aumento da incerteza e risco fiscal do que para mostrar o real compromisso do Executivo e da sua base política com o teto dos gastos e com a segurança no pagamento da dívida. 

É difícil para o governo e sua base política sinalizarem os dois compromissos acima? Não deveria. 

E é por isso que, ao não fazê-lo, o mercado passa cada vez mais a acreditar na tese de que há, em Brasília, um debate para quebrar o teto de gastos com o único propósito de aumentar o espaço livre para gastos no próximo ano. É essa percepção que tem dominado a dinâmica do mercado nas últimas duas semanas e já começou a afetar as decisões de investimento e projeções de crescimento da economia em 2022. 

O governo e sua base política têm o poder de acalmar rapidamente o mercado com a rápida definição do valor do bolsa família para o próximo ano, respeitando o espaço fiscal já projetado, e com a solução para o pagamento das sentenças judiciais e precatórios, sem reduzir mais ainda o já limitado espaço fiscal do governo.

Ou seja, o mercado hoje precisa menos de reformas e muito mais de uma sinalização forte da base política do governo do compromisso com o teto de gastos. Se isso acontecer, teremos rapidamente a recuperação do valor das empresas brasileiras, juros futuros mais baixos, dólar mais barato e consolidação da recuperação cíclica deste e do próximo ano. 

Mansueto Almeida é economista-chefe do BTG Pactual e ex-Secretário do Tesouro Nacional.