O estilo de vida da civilização moderna se assenta sobre quatro pilares. São eles a amônia, o aço, o cimento e o plástico, diz o cientista tcheco Vaclav Smil, autor de “Os Números Não Mentem: 71 Histórias Para Entender o Mundo” (Intrínseca, 400 páginas).
Graças a esses quatros produtos industriais, temos alimentos em abundância, moradias confortáveis, meios de transporte, máquinas, equipamentos elétricos e eletrônicos. Não vivemos sem eles, e, se o mundo quiser retirar bilhões de pessoas da pobreza, será preciso elevar a produção deles nos próximos anos.
A verdade inconveniente – e pouco discutida – é que ainda não sabemos como fabricá-los em grande quantidade sem usar combustíveis fósseis.Esse é um dos indicativos de que não será fácil alcançar a meta de zerar as emissões mundiais de carbono até 2050.
“Não é impossível, mas é muito improvável,” escreve Smil. “Atingir essa meta exigiria uma transformação da economia global em uma escola e uma velocidade sem precedentes na história humana, tarefa que seria inviável sem grandes deslocamentos sociais.”
Smil não é nenhum negacionista, muito pelo contrário. Apenas se dedica a fazer análises objetivas, baseadas em números, sem embarcar na euforia dos mais otimistas nem no pessimismo dos catastrofistas.
O autor já publicou mais de 30 livros e é um estudioso da evolução tecnológica e das inovações, além de temas como demografia, políticas públicas e questões ambientais.
Em “Os Números Não Mentem,” Smil trata de temas como as transformações no nosso padrão de vida, a ascensão das megacidades, as maneiras mais eficientes de produzir energia, as consequências da industrialização e as dificuldades de prever a gravidade de uma pandemia. No final, traça perspectivas sobre a vida em sociedade nos próximos anos e a degradação da natureza.
Dividido em capítulos breves, entre três e cinco páginas, o livro pode ser lido como um almanaque ou guia para curiosos, mas é extremamente informativo e traz reflexões contundentes sobre grandes temas da atualidade. Até onde a China pode ir? O que é pior para o meio ambiente, o carro ou o telefone? Por que ainda não se deve descartar o diesel? Por que os carros elétricos não são (ainda) tão bons quanto pensamos? Por que a energia nuclear é uma promessa não cumprida? Como medir a felicidade da população de um país?
Há uma infinidade de informações sobre todos esses assuntos vagando em sites e redes sociais. A questão é a confiabilidade dos dados e como interpretá-los.
“Este livro tem como primeiro objetivo elucidar os fatos,” Smil diz na introdução. “Mas isso não é tão fácil quanto parece: embora haja uma abundância de números na internet, muitíssimos deles não são datados e têm procedência desconhecida, muitas vezes com parâmetros questionáveis.”
Smil nasceu e passou a juventude na antiga Tchecoslováquia. Em um capítulo em que fala sobre a ascensão e queda de impérios, relembra como a Cortina de Ferro parecia poderosa para a Otan e para Washington, mas, para quem a via de dentro, não parecia tão formidável. “Mesmo assim foi uma surpresa ver sua fácil dissolução.”
Em 1969, quando tinha 25 anos, Smil fugiu do país comunista junto com a mulher. Na breve abertura promovida durante a Primavera de Praga, pegaram um avião e desembarcaram em Nova York semanas antes de as fronteiras de seu país se fecharem novamente – elas ficariam assim por mais duas décadas, até a queda do regime. Em 1975, Smil mudou-se para o Canadá, onde vive hoje, aos 79 anos. É professor emérito da Universidade de Manitoba e integrante da Royal Society do Canadá, além de ser um respeitado divulgador científico. Bill Gates diz que já leu todos os seus livros.
Ao falar sobre a história de invenções definidoras do mundo moderno, Smil conta como a década de 1880 talvez tenha sido a que mais trouxe inovações. Foi quando o mundo viu nascer a energia elétrica, a turbina a vapor, o motor a combustão interna, a caixa registradora, o primeiro arranha-céu, o elevador, o ferro elétrico, a caneta esferográfica, os bondes e a Coca-Cola. A primeira edição do Wall Street Journal foi publicada em 1889.
A eletricidade trouxe uma série de outros inventos, e um deles foi o motor elétrico – cuja popularidade, a propósito, também ocorreu a partir dos anos 1880. Um marco foi o desenvolvimento pelo sérvio Nikola Tesla, com apoio de investidores americanos, de um motor que pudesse funcionar com a corrente alternada. Tesla havia trabalhado com Thomas Edison, o inventor e empresário que construiu a primeira estação central de eletricidade, em 1882.
Com relação aos carros elétricos, Smil não demonstra entusiasmo. Lembra que a pegada de carbono para produzir esses veículos e suas baterias está longe de ser desprezível. Além do mais, muitas regiões do planeta dependem de fontes não renováveis para produzir eletricidade, e, portanto, ter um carro elétrico acaba sendo algo pouco relevante se a ideia é contribuir para a redução de emissão gases do efeito estufa. “Não estou sugerindo que não se deva adotar os veículos elétricos,” pondera Smil. “Estou apenas ressaltando que as implicações da nova tecnologia precisam ser avaliadas e compreendidas antes de aceitarmos alegações radicais a seu favor.”
Da mesma maneira, o cientista conta como a construção dos componentes das usinas eólicas e fotovoltaicas ainda dependem de combustíveis fósseis. Smil estima que a transição energética será mais lenta do que o noticiário faz supor. Em 1992, quando ocorreu a primeira convenção da ONU sobre mudanças climáticas, os combustíveis fósseis forneciam 86,6% da energia. Em 2017, esse percentual foi de 85,3%, uma queda ínfima de 1,5% em 25 anos. Daí seu ceticismo com relação à meta de zerar a emissão de carbono até 2050.
Isso exigiria substituir 80% das fontes primárias de energia por fontes renováveis. A participação da energia solar e eólica no fornecimento de eletricidade subiu de 0,5% para 5% desde 1992. Foi um salto impressionante, mas os dados indicam que o avanço nos próximos anos não será suficiente para reverter a tendência de alta na temperatura da atmosfera global.
Os números não mentem e são inclementes. Mas, como ensina Smil, apenas a inovação traz avanços radicais.