A Eletrobras vendeu sua participação na Eletronuclear para a J&F Investimentos, eliminando um risco relevante de seu balanço numa transação que fortalece a influência da família Batista no setor de energia. 

A venda — de 36% das ações ON e 67% das ações totais — saiu por R$ 535 milhões e pegou o mercado de surpresa, já que boa parte dos analistas que cobrem a Eletrobras atribuía valor zero ao ativo.

Na prática, a transação torna os irmãos Batista sócios minoritários do Governo Federal. O controlador da Eletronuclear continua sendo a União, por meio da ENBPar. A Constituição brasileira, por enquanto, obriga o controle estatal de empresas nucleares. 

10157 a98cb07c 74ae 01a9 0000 7ef77c7e064cComo parte do acordo, a J&F também está assumindo a obrigação de financiar a Eletronuclear em R$ 2,4 bilhões, que estava prevista no acordo que a companhia firmou com a União no início do ano. 

Na prática, este compromisso eleva o valor da transação para quase R$ 3 bi. 

A Eletrobras também era a garantidora das dívidas que a Eletronuclear levantou para a construção de Angra 3 e que somavam perto de R$ 8 bilhões. Com a transação, essas garantias serão liberadas. 

“Do ponto de vista estratégico, a venda é claramente positiva. Ela elimina a exposição da Eletrobras a um negócio não essencial, de alto risco e politicamente sensível, além de cumprir os compromissos da empresa no âmbito do acordo de privatização,” escreveu o João Pimentel, o analista do Citi. 

“A transação também remove passivos e garantias contingentes, simplifica a estrutura corporativa e libera capital para reinvestimento o em ativos essenciais de geração e transmissão.”

A ação PN da Eletrobras sobe quase 3% no início da tarde com a notícia, depois do papel já andar mais de 45% desde o início do ano. 

No curto prazo, haverá um efeito negativo no balanço da Eletrobras. Como a participação na Eletronuclear estava lançada a R$ 7,4 bi e a venda saiu a R$ 535 milhões, a companhia terá que reconhecer uma provisão de quase R$ 7 bilhões no terceiro tri. Isso vai gerar um impacto relevante no lucro líquido, mas sem efeito caixa. 

Por outro lado, a provisão gera um prejuízo acumulado, o que pode reduzir o lucro tributável da companhia ao longo do tempo, gerando um ganho fiscal. 

Mas o que foi bom para a Eletrobras foi melhor ainda para os irmãos Batista — aumentando a preocupação no setor elétrico com a crescente influência da J&F, que tem adquirido diversos ativos de geração e distribuição de energia nos últimos anos. 

“Essa transação tem um lado bom no micro, para a Eletrobras, mas por outro lado mostra o setor sendo capturado cada vez mais pela J&F, que sempre entra nos negócios apostando em alguma arbitragem regulatória,” disse um gestor que acompanha o setor. “O jogo deles é resolver os problemas que quem não tem trânsito no Governo não consegue resolver.”

Coincidentemente, o Congresso aprovou há cerca de um mês a MP 1300, que amplia o alcance da tarifa social no setor de energia  – zerando a tarifa para o consumo de até 80 KWh/mês – e também definiu que a partir de 1 de janeiro de 2026 o custo da energia nuclear (que é mais cara que outras fontes) será repartido entre todos os consumidores do sistema.

As duas medidas devem aumentar as tarifas pagas pelo consumidor médio e reaquecer o debate sobre a sustentabilidade do sistema, que se tornou uma colcha de retalhos de subsídios. 

10169 6d651894 44b7 1bcb 0004 f7622f6f9584E hoje cedo, o Governo publicou um despacho da Presidência, assinado pelo Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, “reconhecendo a necessidade de atualização e complementação dos estudos relativos à modelagem econômico-financeira para a conclusão de Angra 3.”

Dada a proximidade da J&F com o Governo e a necessidade de se gerar escala no negócio nuclear, o mais provável é que o Governo relance o programa nuclear, prevendo a construção de mais usinas. 

“Angra 3 é uma obra inacabada, que entra governo, sai governo, e não se consegue uma solução,” disse um executivo do setor. “Uma das soluções para terminar Angra 3 seria permitir a construção de outras usinas, Angra 4 e 5, porque aí você garante escala, tornando viável o término de Angra 3.”

No ano passado, a compra das térmicas da Eletrobras na Amazônia pela J&F também envolveu uma arbitragem regulatória. Depois da aquisição, o Governo editou uma MP que transformou a energia gerada por aquelas térmicas em energia de reserva, dando uma garantia de que essas usinas serão remuneradas mesmo se não houver despacho de sua energia. No pacote, a J&F também levou a Amazonas Energia, uma distribuidora quebrada. 

Além destes ativos, nos últimos anos a Âmbar Energia, da J&F, também comprou a Térmica Araucária da Copel, a Térmica Uruguaiana do grupo argentino Saesa, e a Térmica Candiota (a carvão) da Eletrobras, e a distribuidora de Roraima que pertencia ao mesmo grupo que controlava a Amazonas Energia. 

Para a Eletrobras, a venda da Eletronuclear marca o fim de um processo de ‘de-risking’ que começou na privatização.

De lá pra cá, o CEO Ivan Monteiro endereçou lidou com diversos riscos que afetavam a tese de investimento na empresa: “os preços de energia estavam baixos, o governo federal criticava a privatização, a subsidiária nuclear exigia novos aportes de capital e debates regulatórios (como o referente ao residual da transmissão) representavam ameaças à companhia,” escreveu Antonio Junqueira, do BTG. 

“Com o tempo, a Eletrobras obteve êxito em todas essas frentes: concluiu um acordo de governança com o governo, saiu do negócio nuclear com uma avaliação patrimonial positiva e obteve decisões favoráveis em relação à regulação da transmissão. Por fim, a gestão mostrou-se correta em suas projeções de preços de energia, que antes divergiam amplamente das expectativas dos investidores.”